terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Redação - Registros linguísticos


O meu pai era paulista; meu avô, pernambucano; o meu bisavô, mineiro; meu tataravô, baiano; meu maestro soberano foi Antônio Brasileiro...
Trecho da canção Paratodos, de Chico Buarque de Holanda


1. Introdução

A poeta goiana Cora Coralina dizia que sua avó não falava errado, falava no antigo. Queria dizer com isso que ela tinha um jeito de falar comum naquele tempo e naquele lugar. E assim é. Cada lugar, cada época, cada situação, cada grupo social, cada finalidade comunicativa guarda características particulares. A essas diferenças na forma de se comunicar  dá-se  o nome de níveis  de linguagem,  ou seja, uma imensa diversidade de registros da experncia linguística. Daí a dificuldade de se falar em erro e acerto quando se trata de comunicação, pois tudo dependerá do objetivo e do contexto em que se processa o femeno comunicativo.

Se o sujeito se encontra em ambiente descontraído, conversando com amigos, em público, naturalmente se comunicará de forma despreocupada,  usará gírias comuns ao seu grupo de colegas, contará piadas etc, pois trata-se de um contexto  informal. Já se ele estiver  em reunião  de trabalho na empresa em que presta servos, ou fazendo palestra  sobre um assunto  técnico,  ou lendo um discurso em uma solenidade, usará, logicamente, outro vocabulário, outra postura, outra linguagem, mais formal, mais preocupada com a corrão no uso do idioma. Assim tamm na escrita. Se o indivíduo escreve uma carta pessoal, ele o faz de maneira mais solta e descomplicada. Se, no entanto, redige um parecer para um processo judicial ou uma redação de vestibular, usa de linguagem mais elaborada.


Mas não só. Se o indivíduo pertence a um grupo caracterizado pela formação intelectual acadêmica, espera-se dele domínio de formas comunicativas mais pximas da gramática oficial. No entanto, se se trata de um homem do campo, com experncia de vida voltada para o cultivo da terra, e que, infelizmente, não teve oportunidade de aprender a ler e a escrever, obviamente, não se pode cobrar dele o uso de linguagem urbana,  formalista ou protocolar, mas deve-se sim entender que, dentro de seu universo, a sua forma peculiar de expressar-se é pertinente, perfeitamente adequada à sua realidade.


Portanto, sempre que se tratar de formas de comunicação verbal, não há que se falar em certo ou errado, mas sim em adequado ou inadequado a determinados contextos da vida prática.

2. Diferentes registros de linguagem

2.1. Norma-padrão, linguagem formal ou norma

Trata-se do idioma usado segundo os preceitos da gramática oficial de um país. Em geral, só se usa a norma culta, realmente, com seus rigores, na linguagem escrita formal, ou seja, em textos sérios, como as redações de vestibularas teses acadêmicas, os pareceres técnicos, as redações forenses,  os textos referenciais jornalísticos ou pedagógicos etc. É importante lembrar assim que, no uso da norma culta, não são toleradas as gírias, os neologismos, os coloquia- lismos ou regionalismos, nem os estrangeirismos, isto é, deve-se usar a língua em sua forma pasteurizada, gramaticalmente pura, livre das variantes da linguagem informal operada no dia a dia.

Exemplo

A verdadeira compreensão nas relações humanas exige a paciente identificação e desconstrução das facetas de nossas suposições implícitas que distorcem a realidade do outro. Isso pode acontecer quando começamos a ver claramente nossas próprias peculiaridades como fatos sobre nós, e não simplesmente como características implícitas à condição humana em geral.
Trecho retirado do artigo A distorção objetiva dasculturas,  de Charles Taylor, publicado no jornal FSP


2.2. Registro técnico, científico ou terminológico

É a linguagem usada apenas por profissionais de uma determinada  área do conhecimento.  Trata-se,  na verdade, de uma especificidade da norma-padrão  ou culta, uma vez que  não  prescinde  do cuidado  gramatical.  Todavia,  come-se de um universo de palavras pprias do cotidiano de um grupo de profissionais ou estudiosos de uma dada área do saber. Daí falar-se na linguagem dos advogados, dos médicos, dos fisofos etc. Cada cncia tem seu vocabulário, sua terminologia particular, seus sentidos e significados únicos e preciosos.

Exemplo

Informação técnica

CELESTAMINE reúne o efeito anti-inflamatório e antialérgico da betametasona  e a ação anti-histamínica  do maleato de dexclorfeniramina. O uso combinado da betametasona e do maleato de dexclorfeniramina permite a utilização de doses menores de corticosteroides com resultados semelhantes aos obtidos com doses mais altas de corticoide isoladamente.

A betametasona é um derivado sintético da prednisolona, demonstrando potente efeito anti-inflamatório com o uso de baixas dosagens e eliminação de certos efeitos adversos in- desejáveis, como retenção anormal de sal e água e excessiva excreção de potássio, na maioria dos pacientes que recebem doses terapêuticas habituais.

2.3. Registro coloquial ou informal

É a língua das ruas, o idioma falado por todos no cotidiano, com suas variantes e particularidades fonéticas. Enquanto na norma culta se diz dá-me um lenço ou nós estamos  cansados,  na linguagem  coloquial se diz mi dá um lenço ou a gente tá cansado. É a linguagem em que cabem as gírias, os clichês e a plena liberdade no uso do idioma. E além de ser a forma empregada pelas pessoas na rotina das relações, pode ser encontrada tamm nos chamados discursos diretos das narrativas, ou seja, na transcrição  literal  das  falas  de  personagens,   quando  o  autor quer transmitir realismo na criação de determinadas cenas e contextos.

Exemplo

... a gente tá cansado de tudo isso que está aí. Os políticos acha que a gente é bobo, que a gente não sabe o que qué. Mas eles o enganado, o povo é mais veiaco do que eles pensa. Vai chegá o dia da virada, eu quero vê porque o mundo é redondo, dá muita volta, e nada como um dia atrais do outro...
Depoimento de um cidadão tomado na Praça da Sé, em São Paulo, 2007


2.4. Registro regionalista

Trata-se de uma variante do nível coloquial. É a particular maneira de expressar-se de um grupo de pessoas, em um dado local, e em determinada época, com suas peculiaridades e traços, em geral, pitorescos por suas variantes principalmente semânticas (relativas ao significado ímpar de algumas palavras em dadas regiões, como, por exemplo, bicha, que em Portugal significa fila). Daí falar-se da bicha muito grande” ou da conhecida raiz brasileira mandioca, que, a depender dos usos regionais, pode ser conhecida como aipim ou macacheira.

Exemplo

Prendi coela qui o chá da frô do sabuguero é pas febre de sarampo. pas criança que tá co pobrema di mar no imbigo, quêis  fala mar de sete dia, fais o chá cum foi de laranjera, pinga treis pingo de vela e treis gota do ói de capaúva, ess’ ói dá num mato, é tirado do pau da arve do ói de capaúva, fais o imprasto e põe no imbigo da criança. É tomá e cor. Tem tomém a carobinha do campo prás pessoa que dá muita ferida, peg’ aquêis ramo e mais o sabão gentir, qué um cipó que dá no mato, ess é pá fazê bãe, ô nem num sei s inxistemais, por causo de que fais muitos ano cô s da fazenda, já num inxiste mais as mata, roçô tudo, cabô cum tudo.


Do livro Ruínas da vila antiga André Bordini, Atlas, 2002


3. A gíria e o registro coloquial da linguagem

Muitas vezes, as gírias são a mudança no sentido original de palavras da língua-padrão.  Observe, por exemplo, o que ocorre com a expressão sangue bom: no sentido próprio, significa o estado do sangue de uma pessoa que está sem doença, sem contaminação; na gíria, indica um tipo de pessoa, uma pessoa de boa índole, legal.

Leia o texto de um professor de educação física:

É importante  que a gente faça a maromba, que a gente utilize o trabalho de maromba que é pro corpo ficar sarado, pra que a gente possa ficar casca grossa. O  que quer dizer? Caído  significa o corpo fraco. A maromba é um  sentido  figurado do marombeiro que puxava a balsa para atravessar duma margem pra outra do rio. Então, o marombeiro é aquele indivíduo que fez força, que tá atrelado ao trabalho de força. O casca grossa é no sentido rude, do resistente, do forte que sofre. Tem um sofrimento, que suporta o sofrimento.

A explicação que o professor de ginástica deu pode ser estendida e aplicada a todos os vocábulos que usamos. Não é apenas no mundo da ginástica que acontece de os vocábulos terem seu sentido modificado.

Vocabulário

Marombeiro
1)  homem que puxava a balsa
2)  homem que malha na academia

Casca grossa
1)  casca grossa e resistente de um vegetal
2)  homem resistente

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