segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Análise 03 - Esaú e Jacó


Em seu penúltimo romance, Machado de Assis inventa uma nova forma de narrar. Apresenta uma alegoria das disputas políticas brasileiras do seu tempo por meio da história de dois gêmeos irreconciliáveis

Machado de Assis é considerado o maior escritor brasileiro. Com o livro Esaú e Jacó, o autor atinge o ápice de sua preocupação com climas, ambientes, situações existenciais sutis e delicadas. Esse comportamento repete-se na sua obra posterior – Memorial de Aires. Assim como Machado de Assis, o narrador da história está interessado em investigar a fundo o caráter e a psicologia complexa das personagens. 

Do Romantismo ao Realismo 

A obra de Machado de Assis pode ser dividida em dois momentos bem distintos: os textos escritos durante sua juventude, que apresentam forte influência do Romantismo – como os romances Ressurreição (1872), A Mão e A Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) – e aqueles nos quais o autor mostra um progressivo amadurecimento até chegar ao Realismo. Dessa fase, destacam-se os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) eMemorial de Aires (1908). 

Para lembrar
Os dois últimos romances de Machado de Assis não têm a reputação crítica de suas três obras-primas iniciais do Realismo. Mas é neles que predomina com maior ênfase a ideia fixa do autor com o ambiente e sua influência no comportamento dos personagens e com as situações existenciais vividas pelos mesmos.


A narrativa

O enredo de Esaú e Jacó está centrado na história dos gêmeos Pedro e Paulo, simetricamente opostos, ou seja, idênticos até mesmo na oposição ferrenha que um faz para o outro. A discordância entre os dois começa quando ainda estão no útero materno e se estende pelo resto de suas vidas. Possuem temperamentos opostos: enquanto Pedro é dissimulado e cauteloso, Paulo é arrojado e impetuoso. Na política, encontram a oportunidade para dar vazão às suas animosidades: Paulo é republicano e Pedro, monarquista. O primeiro cursa Direito em São Paulo. O segundo, Medicina no Rio de Janeiro. O que os une é o amor extremado pela mãe, Natividade. O que os separa é a paixão por Flora, a "inexplicável", segundo o Conselheiro Aires, que se junta a Natividade num esforço de aproximar os rapazes.



Eternos inimigos

Com a morte de Flora, os dois irmãos parecem rumar para a reconciliação que, no entanto, é logo frustrada. Nem mesmo o último pedido da mãe, feito no leito de morte – ela pede aos dois irmãos que sejam amigos –, consegue uni-los por muito tempo. Ao final do romance, Aires constata que os gêmeos sempre foram inimigos e que, ao que parece, sempre o serão. Em certo momento da narrativa, o Conselheiro afirma que as razões para tantas brigas não são conhecidas: 



"– Esaú e Jacó brigaram no seio materno, isso é verdade. Conhece-se a causa do conflito. Quanto a outros, dado que briguem também, tudo está em saber a causa do conflito, e não a sabendo, porque a Providência a esconde da notícia humana..."


Alegoria do país

Na Bíblia, narra-se que Rebeca, ao sentir que os filhos brigam em seu útero, pergunta a Deus qual seria a causa e Ele responde: "Duas nações há no teu ventre". Essa é a causa a que se refere o Conselheiro Aires. Pode ser também a causa alegórica da luta constante de Pedro e Paulo. As duas nações seriam o próprio Brasil, dividido entre Monarquia e República e, até hoje, entre o progresso e o conservadorismo, entre a sofisticação e a miséria. A própria figura de Flora, indecisa entre os dois irmãos, também já foi identificada como uma representação alegórica da nação brasileira "inexplicável". Seu pai, Batista, é o típico político fisiológico, sempre assumindo a opinião dos que estão no poder e mudando de partido como quem troca de camisa, sem ter nenhuma convicção política ou ideológica. 



Benefícios da briga

Machado de Assis, entretanto, dá-nos outra explicação, psicológica e não alegórica, para as constantes disputas fraternas. Os irmãos, ao travarem seu primeiro combate entre si, recebem doces e beijos ou um passeio com a mãe ao se reconciliarem. O narrador conclui o episódio com a seguinte constatação: 



"De noite, na alcova, cada um deles concluiu para si que devia os obséquios daquela tarde, o doce, os beijos e o carro, à briga que tiveram, e que outra briga podia render tanto ou mais. Sem palavras, como um romance ao piano, resolveram ir à cara um do outro, na primeira ocasião. Isto que devia ser um laço armado à ternura da mãe, trouxe ao coração de ambos uma sensação particular, que não era só consolo e desforra do soco recebido naquele dia, mas também satisfação de um desejo íntimo, profundo, necessário."

Sigmund Freud

As implicações freudianas são claras: o Complexo de Édipo, revelado na adoração da mãe, faz com que se lancem um contra o outro. É bom lembrar que Machado de Assis escrevia antes mesmo de o termo ser inventado. Esse mesmo Complexo, definido pelo psiquiatra austríaco Sigmund Freud, pode explicar o fato de ambos se apaixonarem pela mesma mulher. 

Foco narrativo completo


As experimentações com o foco narrativo marcam a fase realista de Machado de Assis. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele apresenta um "defunto-autor". Esse aparente absurdo confere ao livro um realismo nunca antes visto na Literatura brasileira. É exatamente por estar morto que o autor-narrador pode contar, com um realismo cruel, as perversidades, covardias e o anti-heroísmo que compõem tanto a sua personalidade quanto a dos que o rodeiam. Em Dom Casmurro, é a escolha do foco narrativo, centrado no pouco confiável Bentinho – péssimo observador das sutilezas psicológicas –, que cria a famosa dúvida acerca da traição de Capitu. 


Anote!
A forma de Machado de Assis narrar a história neste romance não é menos inovadora ou complexa. O autor hipotético da narrativa é o Conselheiro Aires, embora ele se apresente na terceira pessoa.


É como observador que o narrador de Esaú e Jacó descreve o Conselheiro, mas, em muitos momentos, deixa transparecer suas opiniões, utilizando-se da primeira pessoa:


Não me peças a causa de tanto encolhimento no anúncio e na missa, e tanta publicidade na carruagem, lacaio e libré. Há contradições explicáveis. Um bom autor, que inventasse a sua história, ou prezasse a lógica aparente dos acontecimentos, levaria o casal Santos a pé ou em caleça de praça ou de aluguel; mas eu, amigo, eu sei como as coisas se passaram, e refiro-as tais quais. Quando muito, explico-as, com a condição de que tal costume não pegue. Explicações comem tempo e papel, demoram a ação e acabam por enfadar. O melhor é ler com atenção."


A arrogância e a impaciência do narrador, que tanto lembram a postura de Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas, em muito se afastam da atitude sempre tão contida e conciliadora do Conselheiro Aires. O narrador chega a descrever Aires de uma forma um tanto quanto desdenhosa, ao se referir às suas posições, sempre dúbias: 


"Aires não pensava nada, mas percebeu que os outros pensavam alguma coisa, e fez um gesto de dois sexos. Como insistissem, não escolheu nenhuma das duas opiniões, achou outra, média, que contentou a ambos os lados, coisa rara em opiniões médias. Sabes que o destino delas é serem desdenhadas. Mas este Aires, – José da Costa Marcondes Aires, – tinha que nas controvérsias uma opinião dúbia ou média pode trazer a oportunidade de uma pílula, e compunha as suas de tal jeito, que o enfermo, se não sarava, não morria, e é o mais que fazem pílulas."


Os dois conselheiros comportam-se de maneira artificial e estudada. Procuram passar a imagem da perfeita correção e querem agradar a todo custo, fazendo com que seus interlocutores ouçam sempre o que querem e o que pensam.


Um narrador cauteloso

Se Eça de Queirós descreve seu Conselheiro Acácio como uma figura subserviente e empostada, o narrador de Esaú e Jacó esforça-se por desculpar a postura excessivamente diplomática de Aires. Logo após mostrar que o Conselheiro tinha sempre "nas controvérsias uma opinião dúbia ou média", o narrador, prevendo o desdém do leitor, pede que este "não lhe queira mal por isso", recomendando, ainda, que "não cuide que não era sincero, era-o". E complementa: "tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia". Em muitos momentos o narrador identifica-se plenamente com o hipotético autor do livro:



"Esse Aires que aí aparece conserva ainda agora algumas das virtudes daquele tempo, e quase nenhum vício. Não atribuas tal estado a qualquer propósito. Nem creias que vai nisto um pouco de homenagem à modéstia da pessoa. Não, senhor, é verdade pura e natural efeito."


Em outras passagens, o narrador comunga do espírito comedido de Aires: "Não exagero; também não quero mal a esta senhora". Se levarmos em conta que Aires tivera uma "queda" por D. Natividade, a quem a frase se aplica, a correspondência entre narrador e pseudo-autor fica ainda mais evidente.
Narrativa ambígua

O crítico Ivan Teixeira, no livro Apresentação de Machado de Assis, resume bem a ambiguidade narrativa de Esaú e Jacó:



"A invenção do pseudo-autor Aires [...] acabou gerando uma nova dimensão de foco narrativo: nem primeira nem terceira pessoa. Mas uma coisa diferente, em que um autor imaginário trata-se a si mesmo como um ele, uma terceira pessoa, a cuja visão de mundo submete, no entanto, toda a outra matéria narrada no romance".

Romances interligados

Ao escrever Quincas Borba em 1891, Machado de Assis reutilizou um personagem de sua obra anterior, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881): o falecido filósofo enlouquecido Quincas Borba. Assim, os romances interligam-se não exatamente por meio do personagem, mas pela Teoria do Humanitismo que o filósofo transmite a Rubião, o protagonista. Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908) também encontram-se interligados. 

O que une os romances Esaú e Jacó e Memorial de Aires é a figura sábia e diplomática do Conselheiro José da Costa Marcondes Aires, fino observador das sutilezas da psicologia humana. Na "Advertência" de Esaú e Jacó, lemos:


"Quando o Conselheiro Aires faleceu, acharam-se-lhe na secretária sete cadernos manuscritos, rijamente encapados em papelão. Cada um dos primeiros seis tinha o seu número de ordem, por algarismos romanos, I, II, III, IV, V, VI, escritos a tinta encarnada. O sétimo trazia este título: Último. A razão desta designação especial não se compreendeu então nem depois. [...] Era uma narrativa; e, posto figure aqui o próprio Aires, com o seu nome e título de conselho, e, por alusão, algumas aventuras, nem assim deixava de ser a narrativa estranha à matéria dos seis cadernos. [...] Nos lazeres do ofício, [Aires] escreveu o Memorial, que, aparado das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis. Tal foi a razão de se publicar somente a narrativa. Quanto ao título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir. Ab ovo, por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois nomes que o próprio Aires citou uma vez: Esaú e Jacó."


Os primeiros seis cadernos trazem a matéria ficcional que daria origem ao romance de 1908, Memorial de Aires. Em vários momentos da narrativa de Esaú e Jacó, nos deparamos com o Conselheiro Aires escrevendo seu Memorial. Algumas das palavras com que registra os acontecimentos ou suas reflexões são reproduzidas pelo narrador.
Diálogo com o leitor

Assim como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o narrador de Esaú e Jacó trava um diálogo tenso e constante com o leitor. Esse "leitor incluso" na narrativa é apresentado em geral como uma mulher – é bom lembrar que as mulheres formavam a maioria do públicoleitor de romances na época – que lê de modo impaciente e fútil. O Capítulo XXVII – "De uma Reflexão Intempestiva" é todo dedicado a esse diálogo. O narrador flagra a reflexão de um leitora hipotética sobre o que escrevera no capítulo anterior: "Mas se duas velhas gravuras os levam a murro e sangue, contentar-se-ão eles com a sua esposa? Não quererão a mesma e única mulher?". Ao responder, o narrador imagina as restrições da leitora vulgar, impregnada do romantismo mais banal, à sua obra: 



"O que a senhora deseja, amiga minha, é chegar já ao capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse particular nos livros. Daí a habilidade da pergunta, como se dissesse: 'Olhe que o senhor ainda nos não mostrou a dama ou damas que têm de ser amadas ou pleiteadas por estes dois jovens inimigos. Já estou cansada de saber que os rapazes não se dão ou se dão mal; é a segunda ou terceira vez que assisto às blandícias da mãe ou aos seus ralhos amigos. Vamos depressa ao amor, às duas, se não é uma só a pessoa...'. Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um livro que está sendo escrito com método. A insistência da leitora em falar de uma só mulher chega a ser impertinente. Suponha que eles deveras gostem de uma só pessoa; não parecerá que eu conto o que a leitora me lembrou, quando a verdade é que eu apenas escrevo o que sucedeu e pode ser confirmado por dezenas de testemunhas? Não, senhora minha, não pus a pena na mão, à espreita do que me viessem sugerindo. Se quer compor o livro, aqui tem a pena, aqui tem o papel, aqui tem um admirador; mas, se quer ler somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha; dou-lhe que boceje entre dois capítulos, mas espere o resto, tenha confiança no relator destas aventuras."


Para lembrar
A atitude do narrador não é só digressiva – afastando-se por uns instantes da linha narrativa básica –, mas também metalingüística, pois, por meio da interrupção da leitora, acaba por comentar seu método compositivo.


Mas a "leitora", de fato, antecipou um aspecto importante da narrativa, que ainda estava por se desenrolar, o que demonstra que não era tão fútil assim. O narrador irrita-se com a "reflexão intempestiva" da leitora, mas essa digressão é usada com maestria por Machado de Assis para já se desculpar pelo lance melodramático que irá se seguir: Pedro e Paulo ficarão realmente apaixonados pela mesma mulher. Basta lembrar o romance romântico Os Irmãos Corsos (1841), do novelista francês Alexandre Dumas, para verificar que não se trata de entrecho muito original.

Proclamação da República: os bestializados

Em seu ensaio Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não Foi, o historiador José Murilo de Carvalho remete a uma afirmação de Aristides Lobo (1838-1896) – um dos chefes republicanos do levante de 15 de novembro de 1889 – que lamentava o fato de a população do Rio de Janeiro ter assistido à Proclamação da República "bestializada", ou seja, sem nada entender, colocada à margem do movimento. Em Esaú e Jacó, Machado de Assis revela uma fina percepção do fenômeno, na época de seu desenrolar. No Capítulo LX, "Manhã de 15", narra o passeio de Aires por uma cidade convulsa e atordoada, em que ninguém sabe ao certo o que estava acontecendo: 


"Notou que a pouca gente que havia ali não estava sentada, como de costume, olhando à toa, lendo gazetas ou cochilando a vigília de uma noite sem cama. Estava de pé, falando entre si, e a outra que entrava ia pegando na conversação sem conhecer os interlocutores; assim lhe pareceu, ao menos. Ouviu umas palavras soltas, Deodoro, batalhões, campo, ministério, etc. [...] Quando Aires saiu do Passeio Público, suspeitava alguma coisa, e seguiu até o Largo da Carioca. Poucas palavras e sumidas, gente parada, caras espantadas, vultos que arrepiavam caminho, mas nenhuma notícia clara nem completa. 

Na Rua do Ouvidor, soube que os militares tinham feito uma revolução, ouviu descrições da marcha e das pessoas, e notícias desencontradas."

Apesar de "suspeitar alguma coisa", depois de ouvir relatos exagerados e desencontrados de seu criado José e do cocheiro do tílburi que o levou para a casa, Aires "não acreditou na mudança de regime[...]". Também bestializado, como o resto da população, menospreza a situação: 


"Reduziu tudo a um movimento que ia acabar com a simples mudança de pessoal. – Temos gabinete novo, disse consigo."


Almoçou tranquilo, lendo Xenofonte: "Considerava eu um dia quantas repúblicas têm sido derribadas por cidadãos que desejam outra espécie de governo, e quantas monarquias e oligarquias são destruídas pela sublevação dos povos; e de quantos sobem ao poder, uns são depressa derribados, outros, se duram, são admirados por hábeis e felizes...". 


Segue-se um dos momentos mais curiosos de toda a obra de Machado de Assis: a cena da "tabuleta". O almoço de Aires é interrompido por Custódio, dono da confeitaria em frente à sua casa. Quer consultá-lo sobre a tabuleta nova que mandara pintar para seu estabelecimento, a "Confeitaria do Império". É Custódio quem informa Aires sobre a Proclamação da República. Teme que sua confeitaria seja apedrejada. Aires sugere mudar o nome para "Confeitaria da República", mas o confeiteiro adverte para o fato de que a situação pode mudar. Aires sugere "Confeitaria do Governo", mas Custódio lembra que todo governo tem oposição... E assim sucedem-se as objeções do confeiteiro, preocupado em agradar a todos, até que o Conselheiro:


"Disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa feita e não pôr nada, a não ser que preferisse o seu próprio nome: 'Confeitaria do Custódio'. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimes, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra – Custódio em vez de Império – mas as revoluções trazem sempre despesas.


Essa cena comprova o que Aires iria escrever em seu Memorial: "Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular". Nos dois últimos romances de Machado de Assis, essa preocupação com as relações entre o público e o privado aparecem ligadas a fatos históricos importantes do momento narrado. Em Memorial de Aires, cuja narrativa abrange os anos de 1888 e 1889, Machado de Assis – mestiço e discretamente abolicionista – registra com simpatia, sempre por meio das palavras atenuadas de Aires, o momento em que a abolição da escravatura é concretizada. Já em Esaú e Jacó, a emancipação dos escravos é o único tema capaz de unir as opiniões dos dois irmãos. Mesmo que por razões diferentes, em 1888, ambos a comemoram.

O precursor da crônica moderna

Nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de mulato em uma sociedade ainda escravocrata, paupérrimo, sofrendo de gagueira e epilepsia, nada indicaria que Joaquim Maria Machado de Assis teria, ao morrer em 1908, um enterro de estadista, seguido por milhares de admiradores pelas ruas da cidade em que nasceu, viveu e morreu. Autodidata, aos 15 anos começa a trabalhar em tipografias, onde conhece escritores importantes como Manuel Antônio de Almeida. Em 1855, inicia sua carreira literária com a publicação de um poema na revista Marmota Fluminense. Consegue, em seguida, um emprego na Secretaria da Fazenda. Trabalha a vida toda na burocracia, na qual vai galgando posições até ser ministro substituto. Mas a carreira burocrática é apenas uma forma de ganhar o sustento, ainda que humilde, que possibilita a ele escrever. Contribui com diversos jornais e revistas e, com a publicação de seus livros de poesia, contos e romances, só vai ganhando em notoriedade e respeito. Em 1869, casa-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, enfrentando forte preconceito racial da família da noiva. Em 1876, antes mesmo de publicar a parcela mais significativa de sua obra, já é considerado, ao lado de José de Alencar, um dos maiores escritores brasileiros. Em 1881, inicia a publicação de seus romances realistas. Em 1896, é um dos principais responsáveis pela fundação da Academia Brasileira de Letras, da qual é eleito presidente vitalício. Em 1904, morre Carolina. Quatro anos depois, Machado de Assis, consagrado como o maior escritor brasileiro, é enterrado com pompa no Rio de Janeiro. O mulato paupérrimo do Morro do Livramento tornara-se um dos homens mais respeitados do país. 


O poeta

Machado de Assis iniciou sua carreira literária como poeta. Seu livro de estreia foi Crisálidas (1864), que lhe conferiu imediata notoriedade. Embora sua poesia esteja muito aquém da prosa que o imortalizou, nunca deixou de escrever poemas. Em 1870, lançou Falenas; em 1875, Americanas; e, em 1901, as suas Poesias Completas, que ainda não incluíam um dos seus mais famosos poemas, o belo soneto "A Carolina", escrito após a morte de sua esposa, em 1904. 
O cronista

Seguindo a linha dos textos de "Ao Correr da Pena", de José de Alencar, Machado de Assis contribuiu durante toda a sua carreira com textos breves para jornais, em que comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves, de temática cotidiana, podem ser considerados os precursores da crônica moderna, em que se haveriam de destacar, no século seguinte, escritores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. A produção do Machado cronista inicia-se em 1859 e se estende até 1904, com raras interrupções. Sua produção mais madura foi publicada nas colunas do jornal Gazeta de Notícias, para o qual contribuiu de 1881 a 1904: "Balas de Estalo" (1883 a 1885), "Bons Dias!" (1888 a 1889) e, principalmente, em "A Semana" (1892 a 1897). 

O crítico

Também para os jornais, Machado de Assis escreveu durante toda a vida textos críticos. Sua produção infindável envolve ensaios teóricos como "O Passado, o Presente e o Futuro da Nossa Literatura" (1858), "O Ideal do Crítico" (1865) e "Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de Nacionalidade" (1873), diversas resenhas críticas importantes, como aquela para o livro 

O Primo Basílio, de Eça de Queirós (1878), e inúmeras críticas de teatro. 

O contista

Muitas das centenas de contos que Machado de Assis escreveu ao longo da vida perderam-se com o desaparecimento dos números dos jornais em que foram publicados. Outros estão apenas agora sendo republicados em livro. Sua versatilidade como contista é grande. Escreveu tanto para os jornais mais sentimentaloides quanto para publicações seriíssimas. A qualidade dos contos variava de acordo com a publicação e o público leitor a que se destinavam. Entre as coletâneas de contos que publicou, destacam-se Papéis Avulsos (1882), com o grande conto (ou novela) "O Alienista", "Teoria do Medalhão" e "O Espelho", e Várias Histórias (1896), em que se encontram, entre outras obras-primas da concisão e do impacto narrativo, "A Causa Secreta", "A Cartomante" e "Um Homem Célebre".

O romancista

Entre 1872 e 1878, Machado de Assis começa a publicar romances. Ainda muito influenciado pelo amigo e mestre José de Alencar, publica, com regularidade, um romance a cada dois anos. Em Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, temos um Machado ainda romântico, mas antecipando alguns temas e procedimentos de suas obras-primas realistas e, principalmente, conquistando um públicoleitor que já receberia sua revolução realista com boa vontade. Mas a fase mais importante da carreira de Machado de Assis concentra-se na trilogia de romances realistas publicados no final do século: Memórias Póstumas de Brás Cubas, lançado em 1881, Quincas Borba, em 1891, eDom Casmurro, em 1899.

Últimos romances

Esaú e Jacó e Memorial de Aires têm o mesmo narrador-personagem: o Conselheiro Aires, que pouco age e passa a maior parte da narrativa contemplando placidamente as aventuras amorosas e existenciais dos jovens ao seu redor. Em Memorial de Aires, Machado de Assis investiga a velhice e faz um elogio das relações conjugais com extrema simplicidade e estilo depurado. 

É um legítimo testamento literário e existencial de Machado de Assis, que afirmara diversas vezes se tratar de seu último romance. Diversos traços autobiográficos já foram detectados pela crítica na obra. 

A Academia Brasileira de Letras

Fundada em 1896, foi um dos mais acalentados sonhos de Machado de Assis no final da vida. Eleito seu primeiro presidente, o autor via na fundação da Academia, criada nos moldes da Academia Francesa, uma possibilidade de dignificar o trabalho do escritor, acabando com a imagem de malandro boêmio que viera do Romantismo e afirmando-o como um intelectual sério e consequente. 

Fonte: http://vestibular.uol.com.br

Um comentário:

  1. Gostei da forma como os principais aspectos da lingua portuguesa está sendo abordado nesse blog: uma síntese sem perder a essência dos conteúdos, o que o torna um ótimo espaço para conhecermos e refletirmos melhor sobre a nossa língua-mãe.

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