Publicado em 1943, Fogo Morto, de José Lins do Rego é a última obra-prima do regionalismo neorrealista que surgiu no Brasil na década de 30.
O regionalismo de 1930
A prosa de ficção dos anos 30 dá continuidade ao projeto político-literário dos primeiros modernistas – os da chamada fase heróica de 1922 –, utilizando-se de uma Literatura regionalista, de caráter neorrealista, para mostrar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil. Prevalece, porém, uma narrativa direta sem as ousadias formais dos romances de Oswald de Andrade, como Memórias Sentimentais de João Miramar, ou Macunaíma, de Mário de Andrade.
Linguagem coloquial
Os regionalistas de 1930, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, enfatizam o uso da linguagem coloquial, popular na arte literária. Mas, enquanto os modernistas de 1922 procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular, os regionalistas de 1930, livres das convenções da linguagem acadêmica, escrevem com simplicidade, apenas ocasionalmente desrespeitando a norma culta da Língua Portuguesa.
A prosa de ficção dos anos 30 dá continuidade ao projeto político-literário dos primeiros modernistas – os da chamada fase heróica de 1922 –, utilizando-se de uma Literatura regionalista, de caráter neorrealista, para mostrar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil. Prevalece, porém, uma narrativa direta sem as ousadias formais dos romances de Oswald de Andrade, como Memórias Sentimentais de João Miramar, ou Macunaíma, de Mário de Andrade.
Linguagem coloquial
Os regionalistas de 1930, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, enfatizam o uso da linguagem coloquial, popular na arte literária. Mas, enquanto os modernistas de 1922 procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular, os regionalistas de 1930, livres das convenções da linguagem acadêmica, escrevem com simplicidade, apenas ocasionalmente desrespeitando a norma culta da Língua Portuguesa.
O ciclo da cana-de-açúcar
Grande contador de histórias, José Lins do Rego é diretamente influenciado pelo regionalismo do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala. O romance Fogo Morto faz parte dessa literatura regionalista e é, também, o último suspiro da série de romances a que o próprio José Lins do Rego chamou de "O Ciclo da Cana-de-Açúcar". Esse ciclo é formado por obras que têm como matéria básica o engenho Santa Rosa, do velho coronel José Paulino, avô do alter ego do autor, Carlos de Mello.
• Em Menino de Engenho (1932), primeiro romance do ciclo, José Lins do Rego mostra, de maneira lírica e saudosista, o ambiente de engenho em que o garoto Carlinhos vive após seu pai, desequilibrado mental, ter assassinado a mãe. Criado entre os "moleques de bagaceira", o garoto cresce sob o poder patriarcal avassalador do avô José Paulino. Aos 12 anos, conhece a sexualidade com a "rapariga" Zefa Cajá, de quem contrai uma "doença do mundo". Por fim, é mandado ao colégio interno, para "endireitar", perder os hábitos da "bagaceira", e se tornar um legítimo "senhor de engenho".
• Após descrever a vida de Carlos de Mello no colégio interno em Doidinho (1933), José Lins do Rego mostra-nos o seu retorno ao Santa Rosa, aos 24 anos, já formado em Direito, no romance seguinte, Bangüê (1934). Carlinhos tenta, então, readaptar-se ao engenho, sempre permeado por uma sensação de impotência frente ao espírito autoritário de seu velho avô. Após a morte do velho José Paulino, Carlos acaba por levar o Santa Rosa à ruína, vende o engenho ao tio Juca e abandona para sempre as
suas terras.
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• Em Menino de Engenho (1932), primeiro romance do ciclo, José Lins do Rego mostra, de maneira lírica e saudosista, o ambiente de engenho em que o garoto Carlinhos vive após seu pai, desequilibrado mental, ter assassinado a mãe. Criado entre os "moleques de bagaceira", o garoto cresce sob o poder patriarcal avassalador do avô José Paulino. Aos 12 anos, conhece a sexualidade com a "rapariga" Zefa Cajá, de quem contrai uma "doença do mundo". Por fim, é mandado ao colégio interno, para "endireitar", perder os hábitos da "bagaceira", e se tornar um legítimo "senhor de engenho".
• Após descrever a vida de Carlos de Mello no colégio interno em Doidinho (1933), José Lins do Rego mostra-nos o seu retorno ao Santa Rosa, aos 24 anos, já formado em Direito, no romance seguinte, Bangüê (1934). Carlinhos tenta, então, readaptar-se ao engenho, sempre permeado por uma sensação de impotência frente ao espírito autoritário de seu velho avô. Após a morte do velho José Paulino, Carlos acaba por levar o Santa Rosa à ruína, vende o engenho ao tio Juca e abandona para sempre as
suas terras.
• Considerado pelo autor o último livro do ciclo, Usina (1936) apresenta o engenho transformado na usina Bom Jesus. Dirigida pelo doutor Juca, a usina vai perdendo sua força. Pressionada por interesses estrangeiros e pela usina Santa Fé, que domina toda a região, a Bom Jesus acaba invadida por miseráveis em busca de alimentos e, por fim, doutor Juca acaba por vender e abandonar a usina melancolicamente.
• Mas o engenho Santa Rosa, assim como alguns de seus moradores, voltaria a aparecer na obra-prima de José Lins do Rego, Fogo Morto.
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Em nota à primeira edição de Usina, o próprio escritor nos explica suas intenções ao realizar esse ciclo de romances:
"Com Usina termina a série de romances que chamei um tanto enfaticamente de 'Ciclo da Cana-de-Açúcar'.
A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior.
Veio, após o Menino de Engenho, Doidinho, em seguida Bangüê. Carlos de Mello havia crescido, sofrido e fracassado. Mas o mundo do Santa Rosa não era só Carlos de Mello. Ao lado dos meninos de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados "moleques de bagaceira", os Ricardos. Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua história que é tão triste quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente achou-o parecido com Carlos de Mello. Pode ser que se pareçam. Viveram tão juntos um do outro, foram tão íntimos na infância, tão pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite materno dos Ricardos) que não seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem. Pelo contrário. Depois do Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado de suas bases, espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas. Carlos de Mello, Ricardo e o Santa Rosa se acabam, têm o mesmo destino, estão tão intimamente ligados que a vida de um tem muito da vida do outro.
Uma grande melancolia os envolve de sombras. Carlinhos foge, Ricardo morre pelos seus e o Santa Rosa perde até o nome, se escraviza."
Rio de Janeiro, 1936 J. L. R. |
A obra-prima
Embora o autor tenha dado o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, em 1936, ele lançaria Fogo Morto sete anos mais tarde. Nessa obra, retoma a mesma ideia nuclear dos romances anteriores, assim como o engenho Santa Rosa e a figura do coronel José Paulino, ainda que de maneira periférica.
Embora o autor tenha dado o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, em 1936, ele lançaria Fogo Morto sete anos mais tarde. Nessa obra, retoma a mesma ideia nuclear dos romances anteriores, assim como o engenho Santa Rosa e a figura do coronel José Paulino, ainda que de maneira periférica.
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Além disso, Fogo Morto é considerada a obra-prima do ciclo. O autor minimiza o caráter autobiográfico e nostálgico das obras precedentes e acrescenta à sua extraordinária facilidade de narrar, que mais lembra a de um contador de histórias, oralidade, naturalidade, objetividade e consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras anteriores encobria.
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O espaço e o tempo
O romance se passa no município de Pilar, na Zona da Mata paraibana, às margens do rio Paraíba, distante cerca de 50 quilômetros de João Pessoa, próximo a Itabaiana. A maior parte da ação se desenvolve nas terras do engenho Santa Fé, nos arredores de Pilar, e apenas a última seção tem uma boa parte que se passa na cidade.
A trama desenrola-se durante os primeiros anos do século XX, com uma regressão temporal à época da fundação do engenho Santa Fé, em 1850. E, embora seja traçada rapidamente a história do engenho até o momento narrado, as ações em si não duram mais do que alguns meses.
O título
O título
Os "engenhos" do Nordeste eram, originalmente, estabelecimentos agrícolas destinados à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Com o tempo, surgem as usinas, estabelecimentos especializados apenas no processamento da cana para a produção do açúcar. As usinas não plantam a cana. Elas compram dos engenhos a cana-de-açúcar ainda não-processada.
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Perdem, assim, boa parte de seu poder, tornando-se reféns dos preços pagos pelas usinas. É como se encontra, ao final de Fogo Morto, o decadente engenho Santa Fé.
Estrutura triangular
Fogo Morto é dividido em três partes. Cada uma delas traz no título o nome de um dos três personagens principais do romance. Mas as três partes se entrecruzam e os personagens aparecem ao longo de todo o livro: o coronel Lula de Holanda, senhor de engenho inepto e decadente; o mestre José Amaro, seleiro pobre e orgulhoso; e Vitorino Carneiro da Cunha, o "Papa-Rabo", um estabanado defensor dos oprimidos.
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Primeira parte: o mestre José Amaro
A primeira parte do romance centra-se na casa, à beira da estrada, no engenho Santa Fé, do mestre José Amaro. Orgulhoso e machista, recusa-se a ser dominado por qualquer um, só trabalha para quem escolhe e admira o cangaceiro Antônio Silvino. Boa parte desse trecho da obra é construída por meio dos diálogos travados por José Amaro com os passantes, entre eles, o compadre Vitorino Carneiro da Cunha, apelidado pelas crianças de "Papa-Rabo".
O mestre irrita-se com o coronel Lula de Holanda, dono das terras em que mora, a quem sempre vê cruzando a estrada em seu cabriolé sem jamais parar para cumprimentá-lo. Vai adiando, portanto, atender ao chamado do coronel para que vá com ele conversar na casa-grande. Nessa parte, pode-se acompanhar o lento processo de enlouquecimento de Marta, sua filha, que José Amaro bate para tentar curar.
O mestre recebe uma encomenda de compras de Antônio Silvino e sente-se muito orgulhoso em poder ajudá-lo. Seu caráter fechado e ranzinza vale-lhe a fama de se transformar em "lobisomem" e as pessoas temem encontrá-lo à noite. Por fim, tem de mandar a filha para o hospício no Recife e acaba por atender ao chamado do coronel Lula, que lhe ordena que se retire de suas terras.
O mestre irrita-se com o coronel Lula de Holanda, dono das terras em que mora, a quem sempre vê cruzando a estrada em seu cabriolé sem jamais parar para cumprimentá-lo. Vai adiando, portanto, atender ao chamado do coronel para que vá com ele conversar na casa-grande. Nessa parte, pode-se acompanhar o lento processo de enlouquecimento de Marta, sua filha, que José Amaro bate para tentar curar.
O mestre recebe uma encomenda de compras de Antônio Silvino e sente-se muito orgulhoso em poder ajudá-lo. Seu caráter fechado e ranzinza vale-lhe a fama de se transformar em "lobisomem" e as pessoas temem encontrá-lo à noite. Por fim, tem de mandar a filha para o hospício no Recife e acaba por atender ao chamado do coronel Lula, que lhe ordena que se retire de suas terras.
Segunda parte: o engenho de "seu" Lula
No início da segunda parte do livro, temos uma regressão temporal, com o narrador retornando a 1850 ao contar a fundação do engenho Santa Fé pelo capitão Tomás Cabral de Melo. Mudando-se para a região antes de 1848, ele compra as terras e funda o engenho, o qual faz prosperar. Casa sua filha Amélia com Lula Chacon de Holanda, seu primo, que pouco interesse ou aptidão tem para dirigir o engenho. Adoentado, deixa sua mulher, dona Mariquinha, dirigir os negócios. Quando morre, Lula entra em disputa com a sogra e acaba por tomar-lhe as terras e o poder.
Castigando os escravos com requintes de crueldade, andando com seu cabriolé para cima e para baixo, "seu" Lula vai se afastando cada vez mais do povo de Pilar e seu engenho entra em total decadência quando vem a abolição e seus escravos debandam. Autoritário, impede os homens de se aproximar da filha. Epiléptico, tem um ataque na igreja e passa a se dedicar com fervor à religião. Empobrecido, gasta até as últimas moedas de ouro que lhe deixou o sogro. Sente uma inveja enorme de seu vizinho José Paulino e de seu engenho Santa Rosa e despreza o espírito quixotesco de Vitorino Carneiro da Cunha. Essa parte encerra-se com a frase melancólica: "Acabara-se o Santa Fé".
Castigando os escravos com requintes de crueldade, andando com seu cabriolé para cima e para baixo, "seu" Lula vai se afastando cada vez mais do povo de Pilar e seu engenho entra em total decadência quando vem a abolição e seus escravos debandam. Autoritário, impede os homens de se aproximar da filha. Epiléptico, tem um ataque na igreja e passa a se dedicar com fervor à religião. Empobrecido, gasta até as últimas moedas de ouro que lhe deixou o sogro. Sente uma inveja enorme de seu vizinho José Paulino e de seu engenho Santa Rosa e despreza o espírito quixotesco de Vitorino Carneiro da Cunha. Essa parte encerra-se com a frase melancólica: "Acabara-se o Santa Fé".
Terceira parte: o capitão Vitorino
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Na terceira e última parte do romance, predomina a ação. O capitão Antônio Silvino invade a cidade de Pilar, saqueando casas e lojas. Invade o engenho Santa Fé, ameaça os moradores em busca do ouro escondido. Tentando defender o engenho, Vitorino é agredido e só a intervenção de José Paulino faz com que os cangaceiros desistam. Vitorino apanha também da polícia. Mestre José Amaro e seus companheiros são presos e agredidos.
No final, após serem libertados, Vitorino e o mestre José Amaro seguem rumos diferentes. O primeiro pensa em influir politicamente na região. O segundo, abandonado pela mulher, com a filha louca e expulso de sua casa, acaba por cometer suicídio, enquanto o cabriolé de "seu" Lula passa pela estrada e o Santa Fé vira "engenho de fogo morto".
No final, após serem libertados, Vitorino e o mestre José Amaro seguem rumos diferentes. O primeiro pensa em influir politicamente na região. O segundo, abandonado pela mulher, com a filha louca e expulso de sua casa, acaba por cometer suicídio, enquanto o cabriolé de "seu" Lula passa pela estrada e o Santa Fé vira "engenho de fogo morto".
As mulheres: filhas e esposas
Há uma sinistra simetria entre a sofredora filha de José Amaro, Marta, solteirona que aos poucos enlouquece, e as duas filhas dos senhores do engenho Santa Fé, seus antagonistas. A filha mais nova do capitão Tomás Cabral de Melo, Olívia, enlouquece e perturba o silêncio áspero da casa-grande com seus gritos. Já a filha do coronel Lula de Holanda, Neném, impedida pelo pai de casar-se, é melancólica e soturna. Sem filhos homens, os opositores, ensimesmados, machistas e teimosos, acabam destruindo suas filhas. As mulheres dos protagonistas também assemelham-se muito. Sinhá Velha e Sinhá Adriana são mais práticas e racionais do que os maridos José Amaro e Vitorino, respectivamente, mas pouco podem contra o machismo e a teimosia dos homens.
No engenho Santa Fé, as esposas sempre se mostram mais decididas e práticas do que o impotente Lula Chacon. Sua sogra, dona Mariquinha, comanda o engenho até a morte do marido, quando é passada para trás por Lula, que se mostra muito menos competente no comando do engenho e acaba por ser dirigido, sutilmente, por sua mulher, dona Amélia.
Polícia ou bandido
Polícia e bandido também assemelham-se muito. Tanto o capitão Antônio Silvino, o cangaceiro, quanto o tenente Maurício, chefe das tropas policiais, abusam da violência, ameaçam a todos, espancam o sonhador Vitorino e espalham o terror por onde passam. Mesmo se o povo, representado por José Amaro, respeita mais o cangaceiro. Suas ações, porém, comprovam, como constata Vitorino, que ele utiliza métodos abusivos e muito próximos do terror implantado por seu opositor.
Vida e obra
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