Publicado somente após a morte do autor, o livro é baseado no cruzamento de duas narrativas interligadas. É um dos melhores romances de Eça de Queirós no que se refere ao estilo e à construção romanesca. Nele, o autor apresenta como saída possível para Portugal um retorno à aristocracia e ao colonialismo, como forma de restaurar a glória do país.
Maior romancista e prosador da Literatura portuguesa da segunda metade do século XIX, Eça de Queirós viveu num dos períodos mais contraditórios da história e da Literatura portuguesas. Sua obra reflete muito das oscilações ideológicas, sociais e culturais dessa época, numa linguagem realista e ao mesmo tempo irônica – traço marcante do autor. Eça de Queirós retrata, aqui, seu desejo de superar um sentimento bem característico de sua geração: o da decadência de Portugal, visando contribuir para a recuperação de seu país. Grande romancista e contista, sua obra divide-se em três fases, nas quais exercita seu espírito crítico. Sua obra foi enquadrada, ainda, nos padrões do Realismo/Naturalismo. Pode ser comparada aos modelos estabelecidos pela Literatura francesa, em especial pelos autores Gustave Flaubert (1821-1880) e Émile Zola (1840-1902). |
A narrativa
A Ilustre Casa de Ramires é um romance de dicção claramente realista. Pertence à terceira fase da obra de Eça de Queirós, quando o autor abrandou sua crítica feroz da segunda fase (Realismo/Naturalismo) para usar uma linguagem épica que demonstra seu desejo de reconciliar-se com Portugal. O narrador é onisciente, construindo e explorando com agudeza os conflitos interiores de Gonçalo Mendes Ramires, o personagem central.
O distanciamento e a objetividade do narrador permitem ao leitor acompanhar a lenta e progressiva transformação de Ramires em direção à sua reabilitação moral e social. A narração maneja com habilidade uma linguagem que oscila entre o tom irônico e o lírico, passando pelo satírico e o épico. A linguagem de Eça de Queirós apresenta uma consciência crítica da tradição literária lusitana e europeia, refletindo as contradições da própria nação.
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A reabilitação
À medida que Gonçalo vai-se transformando, sua dicção também muda e com ela a posição do narrador diante da novela medievalista. Isso se dá de tal forma que o final glorioso – apesar de violento e bárbaro – da narrativa medieval coincide com a reabilitação de Gonçalo. Aquilo que começara como uma mesquinha necessidade de projeção social e política do personagem termina como um hino à nação e a seu passado glorioso, além de espelho de um futuro também promissor.
A linguagem e a representação do real
A linguagem de Eça de Queirós apresenta uma consciência crítica da tradição literária lusitana e europeia, além de refletir as contradições da própria nação. Assim, linguagem e representação estética são constituídos em função da representação do real histórico, conferindo legitimidade estética à estrutura romanesca, mesmo quando a solução apresentada para o futuro de Gonçalo e de Portugal pareça fruto de uma idealização de teor claramente regressivo e conservador.
A linguagem realista e irônica, numa necessidade de coerência interna com o projeto ideológico apresentado, lentamente cede lugar a um registro épico e restaurador, que se opõe ao tom agressivo e irônico combativo da segunda fase de Eça de Queirós.
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Gonçalo e Portugal, dois destinos inseparáveis
A história se passa na última década do século XIX, um dos períodos mais difíceis e humilhantes para Portugal. Especialmente por conta do episódio conhecido como Ultimato, em que a Inglaterra exigiu que Portugal se retirasse das áreas africanas que estavam sob seu domínio. Por meio da figura de Gonçalo Ramires, o autor tenta sintetizar as fraquezas e as glórias de Portugal. Com isso, faz do destino pessoal do personagem uma "alegoria" daquilo que lhe parecia ser a única saída possível para os impasses e as contradições de Portugal, que foi tão poderoso no passado. A trajetória do fidalgo Gonçalo Mendes Ramires – filho de uma família nobre e antiga de Portugal – é o centro da obra. O personagem tem entre seus antepassados heróis portugueses envolvidos na história do país e da Europa. Mas logo no início da narrativa, ele representa justamente o oposto desse heroísmo e dessa glória. Gonçalo nada mais é do que um fidalgo sem firmeza moral: fraco, covarde e ambicioso que, para alcançar seus objetivos, é capaz de romper com todo e qualquer princípio moral.
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Entre a glória e a decadência
O que surpreende o leitor no jogo narrativo de Eça de Queirós é a justaposição entre o passado e o presente, mais precisamente entre os tempos gloriosos de Portugal e sua decadência. De um lado, temos a mediocridade da vida provinciana e de sua aristocracia decadente. De outro, o passado glorioso de Portugal, há muito perdido. Romance de formação e narrativa medieval fundem-se de tal maneira que são elevados à condição de "alegoria" do desejado destino português, que só poderia ser retomado por meio de uma reconciliação com o passado colonial da nação. Gonçalo só se reabilita, moral e pessoalmente, quando decide abandonar Lisboa com toda a sua hipocrisia social, partindo para a África.
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Elevando o passado
O destino de Gonçalo traduz muito daquilo que Eça de Queirós, na fase final de sua produção literária, acreditava ser o caminho viável para seu país: a retomada das tradições e do ilustre passado, materializados na veia expansionista e colonialista da nação, que fora um dos maiores impérios do mundo. O navio que leva Gonçalo para a África chama-se justamente Portugal. É bom lembrar que Ramires volta de lá enriquecido e mudado.
A narrativa dentro da narrativa
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Paralelamente à primeira narrativa, o autor tece outra, levada penosamente a cabo por Gonçalo. O personagem tenta estabelecer uma reputação política mostrando um perfil intelectual e literário. Influenciado por um antigo amigo da faculdade, em Coimbra, ele resolve escrever uma novela histórica de tom medieval, ao gosto da literatura do início do século XIX. A história envolve um episódio heroico em torno de Tructesindo Ramires, um de seus mais ilustres antepassados. Além de se cobrir de glórias literárias, seu objetivo é voltar a ter seu próprio nome e sua origem nobre em destaque. Toda a narrativa de Gonçalo, no entanto, não passa de uma versão em prosa, frouxa e mal-elaborada, de um poema escrito anos atrás por um tio e publicado num jornal de província. Seu talento literário resume-se a uma maldissimulada cópia, da mesma forma que sua estrutura moral reduz-se a um jogo hábil entre interesse e conveniência social.
Elogio à aristocracia e ao colonialismo
O romance é, na verdade, um elogio à aristocracia e ao colonialismo portugueses. O autor acredita que ambos funcionam como restauradores da glória portuguesa. A ideia do autor não passa de um Sebastianismo maldisfarçado e do desejo de retornar a tempos, que supõe, mais felizes e heroicos.
O Sebastianismo
Idealização do passado, elogio da aristocracia, defesa do neocolonialismo, adesão à função regeneradora da nobreza. Tudo isso são variantes de uma crença messiânica de origem popular chamada Sebastianismo, que habita o imaginário lusitano e que se baseia na morte e no desaparecimento do rei D. Sebastião nas areias de Alcácer-Quibir no ano de 1578. Com a morte do rei, o trono português foi dominado pela coroa espanhola, entre 1580 e 1640, marcando o declínio do poderio português. A partir desse momento, surge o mito de que D. Sebastião irá retornar e, com ele, a glória de Portugal renascerá.
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O caminho possível
O autor deixa evidente na obra sua proposta de fazer uma profunda releitura da história portuguesa. Depois dos arroubos de violenta e devastadora crítica a Portugal e à sua mediocridade feitos nos romances de sua segunda fase, Eça de Queirós dedica-se, então, a descobrir um caminho possível para seu país. Com isso, a crítica queirosiana torna-se mais branda e até construtiva. É movida, agora, pelo desejo de entender o destino de Portugal.
O Eça de Queirós incansável, o socialista da primeira hora, cede lugar a um aristocrata um tanto quanto cínico e irônico, porém não de todo desencantado.
Da crítica do presente à idealização do passado
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Na sua fase mais combativa, em especial nos livros O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio, Eça de Queirós faz uma crítica agressiva à burguesia lisboeta e aos ranços da vida provinciana e de suas instituições que considera hipócritas. Ataca a moral vigente e o atraso do país. Já na sua última fase, vai lentamente se aproximando do universo rural, agrário e aristocrático que marcou o passado português. Ao lado do espírito crítico, surge uma idealização do passado português e de suas origens gloriosas. O elogio bucólico do campo e da aristocracia soa, na verdade, como Sebastianismo maldisfarçado, porém despido do misticismo e do messianismo que sempre acompanharam essa crença popular. Gonçalo – filho de uma casa mais antiga que Portugal – parte em direção à África. Volta glorioso e rico, ao contrário de D. Sebastião que, movido por seus sonhos de glória, acaba enterrado nas areias do deserto.
A consciência das contradições
Passado e presente, glória e decadência, grandeza e fragilidade estão de tal forma unidos em A Ilustre Casa de Ramires como o estão na vida portuguesa. Essas contradições que marcaram Portugal na segunda metade do século XIX movimentam o romance e criam o dinamismo interno tão rico e verdadeiro do personagem Gonçalo. A solução encontrada pelo autor para o destino de seu personagem (Gonçalo = Portugal) pode parecer utópica e sonhadora, mas nem por isso deixa de ser uma aspiração da alma lusitana.
Vida e obra de Eça de Queirós |
adorei, td que eu preciso ta nesse resumo :)
ResponderExcluirÓtimo resumo, obrigada!
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