Amaro, o Bom-Crioulo, representa o homem preso às vicissitudes próprias do destino, impostas pelas condições de sua origem, do ambiente e do momento. A obra de Adolfo Caminha baseia-se em acontecimento real que causou escândalo no Rio de Janeiro no final do século XIX.
Época de mudanças
Na segunda metade do século XIX, a ciência impõe-se como única explicação para todos os problemas da humanidade. A visão idealizada do mundo e da sociedade é substituída por uma concepção de vida pautada em atitudes materialistas e cientificistas. Desenvolvem-se novas correntes filosóficas e científicas e disseminam-se as ideias liberais, socialistas e anarquistas.
A literatura, como expressão do homem em seu tempo, torna-se analista: a pena, transformada em bisturi, corta e recorta o comportamento humano em busca de uma explicação metódica. Os arroubos do coração romântico cedem espaço a uma concepção materialista, apoiada nas conquistas científicas – o Naturalismo. Bom-Crioulo insere-se nesse momento.
Na segunda metade do século XIX, a ciência impõe-se como única explicação para todos os problemas da humanidade. A visão idealizada do mundo e da sociedade é substituída por uma concepção de vida pautada em atitudes materialistas e cientificistas. Desenvolvem-se novas correntes filosóficas e científicas e disseminam-se as ideias liberais, socialistas e anarquistas.
A literatura, como expressão do homem em seu tempo, torna-se analista: a pena, transformada em bisturi, corta e recorta o comportamento humano em busca de uma explicação metódica. Os arroubos do coração romântico cedem espaço a uma concepção materialista, apoiada nas conquistas científicas – o Naturalismo. Bom-Crioulo insere-se nesse momento.
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Romantismo x Naturalismo
Vamos comparar trechos de um e de outro movimento literário para observamos a influência inexorável do novo período de desenvolvimento. Em A Moreninha, do romancista romântico Joaquim Manuel de Macedo, lê-se o seguinte:
Vamos comparar trechos de um e de outro movimento literário para observamos a influência inexorável do novo período de desenvolvimento. Em A Moreninha, do romancista romântico Joaquim Manuel de Macedo, lê-se o seguinte:
"Agora outras duas palavras sobre a casa: imagine-se uma elegante sala de cinquenta palmos em quadro; aos lados dela dois gabinetes proporcionalmente espaçosos, dos quais um, o do lado esquerdo, pelos aromas que exala, espelhos que brilham, e um não sei quê que insinua, está dizendo que é o gabinete das moças. [...]" | ||
Não é outra a abordagem em Senhora, de José de Alencar:
"Lemos mostrou então as gavetas e prateleiras do guarda-roupas e cômodas atopetados das várias peças de vestuário, feito de superior fazenda e com maior apuro. Nada faltava do que pode desejar um homem habituado a todas as comodidades da moda.
No toucador, se o tabuleiro de mármore ostentava toda a casta de perfumarias, as gavetas continham cópias de joias próprias de um cavalheiro elegante. Algumas havia de grande preço, como o anel de rubi, e uma abotoadura completa de brilhantes."
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Os trechos românticos acima desmancham-se em lirismo; os ambientes retratados são nobres, idealizados; as personagens, distintas em sua elegância e fino trato. Não é o que retratam os excertos naturalistas a seguir, extraídos de Bom-Crioulo:
"[...] Armava-se de navalha, ia para o cais, todo transfigurado, os olhos dardejando fogo, o boné de um lado, a camisa aberta num desleixo de louco, e então era um risco, uma temeridade alguém aproximar-se dele. O negro parecia uma fera desencarcerada: [...]" | ||
E também:
"O quarto era independente, com janela para os fundos da casa, espécie de sótão roído pelo cupim e tresandando a ácido fênico. Nele morrera de febre amarela um portuguesinho recém-chegado. Mas Bom-Crioulo, conquanto receasse as febres de mau caráter, não se importou com isso, tratando de esquecer o caso e instalando-se definitivamente. Todo dinheiro que apanhava era para compra de móveis e objetos de fantasia rorocó, [...] O leito era uma 'cama de vento' já muito usada, sobre a qual Bom-Crioulo tinha o zelo de estender, pela manhã, quando se levantava, um grosso cobertor encarnado 'para ocultar as nódoas'." | ||
Ou ainda:
"Bom-Crioulo ficou extático! A brancura láctea e maciça daquela carne tenra punha-lhe frêmitos no corpo, abalando-o nervosamente de um modo estranho, excitando-o como uma bebida forte, atraindo-o, alvoroçando-lhe o coração. Nunca vira formas de homem tão bem torneadas, braços assim, quadris rijos e carnudos como aqueles... Faltavam-lhe os seios para que Aleixo fosse uma verdadeira mulher!... Que beleza de pescoço, que delícia de ombros, que desespero!...
Dentro do negro rugiam desejos de touro ao pressentir a fêmea... Todo ele vibrava, demorando-se na idolatria pagã daquela nudez sensual como um fetiche diante de um símbolo de ouro ou como um artista diante de uma obra-prima."
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Do ponto de vista naturalista, o narrador é frio, distante; trabalha por dissecar a realidade que presencia, sem envolvimento emotivo. Para ele a realidade, ainda que transposta para a concepção artística, não deve deixar de lado a análise, nem deixar de fazer o recorte da essência deteriorada da espécie humana, só compreensível à luz da pesquisa científica.
E isso se encontra em Bom-Crioulo. Adolfo Caminha teve a felicidade de seguir com fidelidade os preceitos de sua escola.
E isso se encontra em Bom-Crioulo. Adolfo Caminha teve a felicidade de seguir com fidelidade os preceitos de sua escola.
Repare que também em O Cortiço, obra naturalista do brasileiro Aluísio Azevedo, contemporâneo de Adolfo Caminha, transparece a predileção pelos aspectos sensoriais e pelo lado torpe da realidade, junto à zoomorfização das personagens, degradadas à categoria animal.
Bom-Crioulo: história de um tipo passional
O enredo de Bom-Crioulo baseia-se num fato real que causou escândalo no Rio de Janeiro do século XIX. Assim, a história contada no romance faz eco à postura de engajamento proposta pelos naturalistas: o compromisso com a análise, a crítica e a denúncia social.
Amaro, o Bom-Crioulo, é um ex-escravo que se torna hábil marinheiro, dedicado ao trabalho, vendo na pesada atividade uma situação muito melhor que antes: afinal, era livre e "a disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regime terrível do tronco e do chicote". Além disso, "ali não se olhava a cor ou a raça do marinheiro: todos eram iguais, tinham as mesmas regalias".
Seu relacionamento com os superiores e os companheiros reflete essa boa disposição e ele logo conquista a todos, sendo por isso chamado, pelos próprios oficiais, de "Bom-Crioulo".
Atração
De físico extremamente forte, admirado por todos pelos seus músculos, Amaro é igualmente fraco no aspecto moral: quando se embriaga, torna-se briguento e provocador. A bordo, enamora-se de Aleixo, outro marinheiro, branco, de belas feições, dependente dele fisicamente. Passa a proteger Aleixo e tem com ele uma relação amorosa.
O enredo de Bom-Crioulo baseia-se num fato real que causou escândalo no Rio de Janeiro do século XIX. Assim, a história contada no romance faz eco à postura de engajamento proposta pelos naturalistas: o compromisso com a análise, a crítica e a denúncia social.
Amaro, o Bom-Crioulo, é um ex-escravo que se torna hábil marinheiro, dedicado ao trabalho, vendo na pesada atividade uma situação muito melhor que antes: afinal, era livre e "a disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regime terrível do tronco e do chicote". Além disso, "ali não se olhava a cor ou a raça do marinheiro: todos eram iguais, tinham as mesmas regalias".
Seu relacionamento com os superiores e os companheiros reflete essa boa disposição e ele logo conquista a todos, sendo por isso chamado, pelos próprios oficiais, de "Bom-Crioulo".
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Atração
De físico extremamente forte, admirado por todos pelos seus músculos, Amaro é igualmente fraco no aspecto moral: quando se embriaga, torna-se briguento e provocador. A bordo, enamora-se de Aleixo, outro marinheiro, branco, de belas feições, dependente dele fisicamente. Passa a proteger Aleixo e tem com ele uma relação amorosa.
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Na primeira vez que embarcara, Amaro tinha sido um marinheiro zeloso, atento e cumpridor de suas tarefas, chegando até, aos 30 anos, a trazer "gola de marinheiro de segunda classe".
Porém, torna-se negligente e indisciplinado, provocando a impaciência dos oficiais e comentários dos companheiros, que atribuem sua desatenção ora à cachaça, ora ao caso com Aleixo.
Revolta
Em terra, ele e Aleixo passam a morar juntos, em um quarto alugado da portuguesa D. Carolina. Decorre quase um ano, sem que seu relacionamento sofra "o mais leve abalo". Os dois e D. Carolina formam praticamente "uma família".
Amaro é transferido para outro navio, um couraçado, onde há "um horror de trabalho" e sente profunda revolta contra seus superiores. Tem agora apenas uma folga por mês, devido à sua fama de briguento e indisciplinado. Enquanto isso, D. Carolina sente por Aleixo uma irresistível atração e o seduz.
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Amaro consegue, com uma desculpa, fugir do trabalho para ir até seu quartinho na casa de D. Carolina. Encontra tudo em desordem e desconfia; Aleixo não está e D. Carolina mente, dizendo que o moço quase não tem aparecido. Sai para comer e arranja confusão; levado preso ao navio, é chicoteado e vai para o hospital. Impossibilitado de rever o amante, alimenta terrível ciúme durante o período de internação. Acaba sabendo, por um marinheiro, do caso entre Aleixo e D. Carolina. Sai do hospital e vai à procura de Aleixo. A porta do sobrado está fechada, mas Amaro confirma toda a história com um empregado da padaria vizinha.
Ciúme
Aleixo sai do sobrado e Bom-Crioulo vai ao seu encontro; os dois discutem, Amaro o acusa e externa seu ciúme violentamente. Forma-se um círculo em volta dos dois. D. Carolina, chegando à janela por causa do barulho, grita: acabara de ver Aleixo ensanguentado, "levado como um fardo, o corpo mole, a cabeça pendida para trás, roxo, os olhos imóveis, a boca entreaberta."
As pessoas querem ver o corpo, numa "irresistível atração, uma ânsia!" e não se importam com o outro, "com o negro, que lá ia, rua abaixo, triste e desolado, entre baionetas, à luz quente da manhã: todos, porém, todos queriam 'ver o cadáver', analisar o ferimento, meter o nariz na chaga...". Consuma-se, desta forma, um
crime passional.
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Realismo-Naturalismo: cosmovisão materialista
Vê-se que o Realismo-Naturalismo – no qual se insere Bom-Crioulo – implica, para o escritor, o distanciamento do ponto de vista da subjetividade. Aprofunda-se a narração de costumes contemporâneos da primeira metade do século XIX e de todo o século XVIII, mas sob outra perspectiva, já que se expõem as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima, em busca de suas causas, sejam elas naturais ou culturais. O escritor se sente no dever de descobrir a verdade de suas personagens; no sentido positivista, de dissecar os motivos de seu comportamento.
Assim, delimitando o comportamento das personagens ao plano da factualidade, o romancista acaba recorrendo com frequência ao tipo e à situação típica e daí, ao patológico – atitude constante na obra naturalista.
São eliminados os exageros românticos na expressão e o estilo busca a concisão, a palavra precisa, a economia no vocabulário, apoiando-se na correção gramatical.
Entre as influências mais fortes na obra dos escritores brasileiros, podem-se citar os franceses Flaubert, Maupassant, Zola e Anatole. No pensamento e na historiografia, Comte, Taine e Renan. Em segundo plano, os portugueses Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Antero de Quental.
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Vida e obra de Adolfo Caminha |
Adolfo Caminha era naturalista, escritor para quem a personagem é elemento de análise científica, de observação das peculiaridades e que está intrinsecamente vinculada aos fatos que protagoniza.
O homem e sua história intransferível e imutável; o homem e seu destino preestabelecido; o caráter, geralmente mau, é uma herança da qual não se pode libertar, porque se origina na hereditariedade, no meio em que habita e determinado pelo momento em que vive. Eis o Naturalismo, concepção científico-filosófico-literária que impõe ao homem o ser animal, bruto, produto das circunstâncias.
Um Brasil em crise
A curta vida do autor (1867-1897) coincidiu com um período de profundas transformações econômicas, políticas e sociais no Brasil, dentre as quais:
• O enfraquecimento da monarquia e a intensificação dos ideais republicanos e abolicionistas, que culminaria com a abolição da escravatura em 1888 e a Proclamação da República em 1889.
• A entrada de quase 200 mil imigrantes no país nos anos 1870, aumentada, na década de 1880, para quase meio milhão.
• A convivência entre a economia agrária – com a concentração da renda nas mãos dos fazendeiros – e o início do processo de modernização da sociedade brasileira – com a dinamização da vida social e cultural, principalmente no Rio de Janeiro, sede do governo.
• Um maior desenvolvimento da cultura, com incremento no número de matemáticos, economistas, médicos, historiadores, além dos escritores, criando um clima propício à absorção das novas ideias vindas da Europa e lá consolidadas, como o liberalismo, o socialismo e as teorias cientificistas.
Da Marinha ao jornalismo
Caminha nasceu em Aracati, no Ceará, em 29 de maio de 1867 e morreu no Rio, em 1º. de janeiro de 1897. Perdeu a mãe aos 10 anos de idade; era doentio e suportou a seca de 1877. Por causa da seca, mudou-se para Fortaleza, transferindo-se depois para o Rio de Janeiro, onde cursou (à custa de um parente) a Escola de Marinha, saindo como guarda-marinha em 1885. Na atividade naval, conheceu as Antilhas e os Estados Unidos, viagem que lhe deu matéria para escrever um livro de crônicas: No País dos Ianques, datado de 1894.
Promovido a segundo-tenente, retornou à terra natal e participou ativamente da vida intelectual cearense, sendo membro-fundador do Centro Republicano Cearense. Envolveu-se em um escandaloso caso de adultério com a esposa de um oficial do Exército, o que lhe trouxe, além da punição, inúmeras complicações sociais. Forçado a dar baixa na Marinha, empregou-se na Tesouraria da Fazenda, sendo nomeado amanuense do Tesouro em Fortaleza. Apesar do comedimento social que se impôs, continuou participando ativamente da vida literária local e trabalhou na Livraria Espiritual, instituição que agregava os escritores naturalistas; fundou a Revista Moderna e trabalhou no jornal O Pão.
Em 1892, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde se dedicou ao jornalismo, à crítica literária e aos seus livros, publicando o melhor de sua obra: A Normalista (1893), Bom-Crioulo (1895) e Tentação (1896), além de um volume de crítica literária, Cartas Literárias(1895).
O naturalista Adolfo Caminha encontrou na literatura a arma de que precisava, a fim de denunciar a sociedade hipócrita de seu tempo. Custou-lhe caro a ousadia: foi ignorado pela crítica e seu reconhecimento como homem das letras é fato relativamente novo. Morreu aos 29 anos, atacado pela tuberculose, mal incurável na época.
Fonte: http://vestibular.uol.com.br |
muito interessante u.u
ResponderExcluirMuito obrigada!
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