Alfredo d'Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay – publicou o romance Inocência em 1872, assinando com o pseudônimo Sílvio Dinarte. Baseada em observações do autor no sertão mato-grossense, a obra, que recebeu o subtítulo 'narrativa campestre', é um dos pontos altos do regionalismo romântico brasileiro.
Durante a década de 1870, os leitores buscavam cada vez mais histórias quetivessem como cenário aventuras românticas. Obra do regionalismo romântico, Inocência fez sucesso imediato, reforçando a tendência nacionalista que se consolidava na Literatura brasileira.
O explorador do cenário
A história de Inocência passa-se na "parte sul-oriental da vastíssima província de Mato Grosso". O autor abre a narrativa com uma larga descrição da estrada que corta a região – desde a vila de Sant'Ana do Paranaíba aos campos de Camapuã – e da natureza que a cerca. Traça um retrato do "sertão chamado bruto" e do sertanejo que viaja constantemente por essa estrada e vive nos seus arredores. O sertanejo "legítimo" é descrito como um homem "que de nada se arreceia, consubstanciado
como está com a solidão":
O explorador do cenário
A história de Inocência passa-se na "parte sul-oriental da vastíssima província de Mato Grosso". O autor abre a narrativa com uma larga descrição da estrada que corta a região – desde a vila de Sant'Ana do Paranaíba aos campos de Camapuã – e da natureza que a cerca. Traça um retrato do "sertão chamado bruto" e do sertanejo que viaja constantemente por essa estrada e vive nos seus arredores. O sertanejo "legítimo" é descrito como um homem "que de nada se arreceia, consubstanciado
como está com a solidão":
"O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em geral, família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até então haja varado. Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância das viagens empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou dias e dias a rodeá-los com rara paciência." | ||
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Apresentação das personagens
A história inicia-se no dia 15 de julho de 1860. Um homem viaja montado em seu cavalo, distraído e pensativo. Ele tem "quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar tão inteligente quanto decidido." Aproxima-se dele outro viajante, um "homem já de alguma idade, o recém-chegado era gordo, de compleição sanguínea, rosto expressivo e franco. Trajava à mineira e parecia, como realmente era, morador daquela localidade". Eles se apresentam e começam a conversar. O rapaz chama-se Cirino Ferreira de Campos, é "caipira de São Paulo", mas foi criado em Ouro Preto, Minas Gerais. Viaja "sem destino certo", "curando maleitas e feridas brabas", precisa ganhar algum dinheiro, pois tem uma dívida de jogo para saldar. O outro homem é Martinho dos Santos Pereira, que gosta muito de "prosear". Ele nasceu em Minas Gerais, casou cedo, viveu em Diamantina até sua esposa morrer. Vendeu então sua loja de ferragens e há 12 anos mora "nestes socavões". Pereira convida Cirino para se hospedar em sua "tapera" e, ao saber que ele é "médico", informa que tem uma filha que está adoentada e com febre. Cirino aceita o convite e hospeda-se na casa de Pereira.
O médico no sertão
Cirino, na verdade, não era médico. Mas "em localidade pequena, de simples boticário a médico não há mais que um passo". Seu pai vendia medicamentos e o mandou, aos 12 anos, viver com seu padrinho em Ouro Preto. Lá estudou no colégio do Caraça, mas, quando o tio morreu, o rapaz foi excluído do colégio. Tinha 18 anos e foi "servir de caixeiro numa botica velha e manhosa". Aprendeu a receitar e passou a fazer excursões pelo interior, medicando as pessoas, utilizando-se "de alguns conhecimentos de valor positivo, outros que a experiência lhe ia indicando ou que a voz do povo e a superstição ministravam". O manual em que se baseava era um guia médico descritivo de doenças e de uso de medicamentos e emprego de ervas medicinais. Seu autor, Pedro Luís Napoleão Chernoviz (1740-1814), médico polonês, vivera 15 anos no Rio de Janeiro. Cirino era, portanto, "curandeiro, simples curandeiro", que "ia por toda a parte granjeando o tratamento de doutor, que gradualmente lhe foi parecendo, a si próprio, título inerente a sua pessoa e a que tinha incontestável direito". No entanto, não era um mau-caráter:
"Bem formado era o coração daquele moço, sua alma elevada e incapaz de pensamentos menos dignos; entretanto, no íntimo do seu caráter se haviam insensivelmente enraizado certos hábitos de orgulho, repassado de tal ou qual charlatanismo, oriundo não só da flagrante insuficiência científica, como da roda em que sempre vivera." | ||
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O casamento como vilão
A casa de Pereira era dividida em duas partes: um cômodo destinado aos hóspedes, "todo fechado, com exceção da porta por onde se entrava" e, nos fundos, a casa da família, vedada "às vistas dos estranhos e sem comunicação interna com o compartimento da frente". Depois de comer e descansar, Pereira leva Cirino para que veja a filha adoentada. Mas antes avisa que o doutor deve se comportar, pois é muito desconfiado. Explica que a filha, "Nocência", tem 18 anos, é "muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada, foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões". Está "apalavrada" e vai se casar, por determinação do pai, com Manecão Doca, "um homem às direitas, desempenado e trabucador como ele só... fura estes sertões todos e vem tangendo pontas de gado que metem pasmo". Pereira faz questão de frisar sua opinião sobre as mulheres:
"Esta obrigação de casar as mulheres é o diacho!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam, podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Hi, meu Deus, mulheres numa casa é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar [...] O Manecão que se agüente, quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho." | ||
O narrador interfere neste ponto para condenar "a opinião injuriosa sobre as mulheres", corrente nos sertões do Brasil, porque esta acarreta, "além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho".
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Depois de pedir a Cirino para que ele veja a doente, sem olhar para a mulher, este lhe responde que está acostumado "a lidar com as famílias e a respeitá-las", ainda que discorde da opinião de Pereira sobre as mulheres, porque "não há motivo pra tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta".
A mulher
Na visão masculina de Pereira e do universo sociocultural que ele representa, "as mulheres não são confiáveis, porque sujeitas a sucumbir a qualquer sedução, fruto da sua falta de vivência e daquilo que é considerado a sua fraqueza interior. Por outro lado, a mulher também é uma perigosa sedutora, vinculada ao mito do pecado original", como afirma a crítica Ilka Brunhilde Laurito. Já Cirino apresenta uma visão igualitária dos direitos femininos porque pertence a outro universo cultural.
Inocência e a idealização romântica
Cirino fica encantado com a beleza de Inocência e se apaixona pela jovem, mas disfarça para que seu pai não note. Ela é assim apresentada:
Cirino fica encantado com a beleza de Inocência e se apaixona pela jovem, mas disfarça para que seu pai não note. Ela é assim apresentada:
"Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante. Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces. Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado. Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença." | ||
Além dos cuidados excessivos de seu pai, Inocência também é protegida pelo anão Tico. Ele é praticamente mudo, como diz Pereira: "Não pode falar... isto é, sempre pode dizer uma palavra ou outra, mas muito a custo e quase a estourar de raiva e de canseira. Quando se mete a querer explicar qualquer coisa, é um barulho dos seiscentos, uma gritaria dos meus pecados". Mesmo assim, consegue se comunicar muito bem e "é uma espécie de cachorro de Nocência".
A construção do personagem
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O equívoco de Pereira
Naquela mesma noite, chega à casa de Pereira um naturalista alemão, chamado Guilherme Tembel Meyer, que caça borboletas e as envia para a Alemanha para serem estudadas. Pereira dá-lhe abrigo e acaba por descobrir que ele tem uma carta de recomendação de seu irmão, Francisco, que não vê há mais de 40 anos. Decide tratar o alemão como se fosse da família e o apresenta à filha. Meyer, fascinado pela beleza de Inocência e ignorante dos costumes sertanejos, faz muitos elogios à jovem, o que deixa Pereira furioso e preocupado. Com medo de que Meyer "ponha sua filha a perder", passa a vigiá-lo de perto, levando-o pessoalmente à mata para encontrar e caçar os insetos. Desconfiando de Meyer, passa a confiar em Cirino, que aproveita a oportunidade para ver Inocência e declarar seu amor. Ela também está apaixonada, mas se sente culpada e tem medo de enfrentar a fúria paterna: "Se papai aparecesse... não tinha o direito de me matar?".
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Mais tarde, ela fala:
" — [...] nestes dias tenho aprendido muita coisa. Andava neste mundo e dele não conhecia maldade alguma... A paixão que tenho por mecê foi como uma luz que faiscou cá dentro de mim. Agora começo a enxergar melhor... Ninguém me disse nada; mas parece que a minha alma acordou para me avisar do que é bom e do que é mau... Sei que devo de ter medo de mecê porque pode botar-me a perder... Não formo juízo como, mas a minha honra e a de toda a minha família estão nas suas mãos..." | ||
As duas borboletas
Enquanto Meyer está hospedado na casa de Pereira, Cirino consegue conversar com Inocência à noite na janela de seu quarto, pois o pai da jovem dorme na casa de hóspedes para melhor vigiar o naturalista. Embora deseje, o jovem Cirino não tem coragem de falar com Pereira sobre a jovem, já que ele sempre ameaça matar o homem que lhe "desonrar a casa". Enquanto Meyer caçava borboletas, Cirino podia procurar e conquistar "a sua borboleta". O naturalista encontra "a sua Inocência" – a Papilio Innocentia – um "lindíssimo espécime, verdadeiro capricho da esplêndida natureza daqueles páramos", e decide partir. Cirino, então, passa a correr o risco de perder "a sua borboleta", a amada Inocência.
A decisão
Como o noivo de Inocência está para voltar, os dois jovens, desesperados, decidem que Cirino deve ir à casa do padrinho de Inocência, Antônio Cesário, tentar convencê-lo a interceder junto a Pereira em favor do seu amor. O padrinho mora "para lá das Paranaíbas, já nos terrenos Gerais". Cirino calcula que vai levar uma semana para ir e voltar. Despede-se da amada, inventa uma desculpa para Pereira e parte em direção à fazenda de Antônio Cesário. No caminho, cruza com Manecão, que está indo à casa de Pereira com tudo pronto para a realização de seu casamento com Inocência.
A chegada de Manecão
Cirino chega à fazenda do padrinho, abre-lhe o coração e este diz que vai pensar. Combinam que, se Antônio resolver ajudá-los, ele se encontrará com Cirino, num prazo máximo de oito dias, na vila de Sant'Ana do Paranaíba e irão juntos para a casa do compadre Pereira. Enquanto isso, Manecão é recebido festivamente por Pereira em sua casa. No entanto, Inocência está muito triste e parece doente. Chamada por seu pai para conversar com o noivo, ela diz que não se lembra de ter concordado com o casamento, afirma que não quer se casar e seu pai a agride. Pereira acredita ainda que foi Meyer o causador da sua desgraça. Enquanto decidem quem vai matar o alemão, o anão Tico comunica a Pereira que ele está enganado; não fora o alemão o responsável, mas sim Cirino. Pereira fica furioso. Manecão o acalma e diz que vai atrás do médico "desagravar a honra" de ambos.
O desenlace
Manecão segue Cirino durante três dias, enquanto este, sem perceber a sua presença, vai todos os dias à estrada esperar por Antônio Cesário. No final do prazo dado pelo padrinho de Inocência, Cirino está decidido a se matar se ele não vier ao seu encontro. Quem o encontra, porém, é Manecão, que atira nele. Antes de morrer, Cirino diz que, com sua morte, ele matara também Inocência. Depois diz que quer morrer como um cristão e perdoa Manecão por tê-lo assassinado. Ambos ouvem um cavalo se aproximando e Manecão foge. Para completar a tragédia, quem está chegando é Antônio Cesário, que finalmente decidira intervir a favor de Inocência e Cirino. Encontra Cirino agonizando, pergunta quem fez aquilo, mas Cirino não diz o nome do assassino. Pede a Cesário que diga a Inocência que morreu por causa dela e, com o dinheiro que está em seu bolso, pague sua dívida. O que sobrar deve ser distribuído aos pobres, "sobretudo aos morféticos". Seu último pedido é para que Cesário prometa que não deixará Inocência casar com Manecão. O padrinho promete e Cirino morre chamando
por Inocência.
Homenagem à beleza
A história termina na Alemanha, em 18 de agosto de 1863, com a aclamação de Meyer pela Sociedade Geral Entomológica e pela imprensa, que elogia "os prodígios entomológicos" recolhidos por ele em "suas dilatadas peregrinações". Principalmente, a borboleta Papilio Innocentia, cujo nome fora dado "em homenagem à beleza de uma donzela (Mädchen) dos desertos da província de Mato Grosso (Brasil), criatura, segundo conta o Dr. Meyer, de fascinadora formosura". Exatamente nesse dia, fazia dois anos que Inocência tinha morrido, "no imenso sertão de Sant'Ana do Paranaíba".
Destinos entrelaçados
Há um paralelo entre o destino da borboleta e o de Inocência, como afirma a crítica Ilka Laurito: "A borboleta é capturada e morta, para ser exibida na Europa: sai do seu meio ambiente por meio da morte. Inocência, prisioneira e vítima de seu meio, transcende-o e se liberta apenas pela morte. Ambas representam a ideia de beleza e de fragilidade. Enquanto a borboleta se eterniza e perpetua o nome de Inocência, espetada pelo cientista num estojo de colecionador, a personagem do romance é eternizada pelo romancista que, pode-se dizer, 'espeta-a' nas páginas do livro".
Como o noivo de Inocência está para voltar, os dois jovens, desesperados, decidem que Cirino deve ir à casa do padrinho de Inocência, Antônio Cesário, tentar convencê-lo a interceder junto a Pereira em favor do seu amor. O padrinho mora "para lá das Paranaíbas, já nos terrenos Gerais". Cirino calcula que vai levar uma semana para ir e voltar. Despede-se da amada, inventa uma desculpa para Pereira e parte em direção à fazenda de Antônio Cesário. No caminho, cruza com Manecão, que está indo à casa de Pereira com tudo pronto para a realização de seu casamento com Inocência.
A chegada de Manecão
Cirino chega à fazenda do padrinho, abre-lhe o coração e este diz que vai pensar. Combinam que, se Antônio resolver ajudá-los, ele se encontrará com Cirino, num prazo máximo de oito dias, na vila de Sant'Ana do Paranaíba e irão juntos para a casa do compadre Pereira. Enquanto isso, Manecão é recebido festivamente por Pereira em sua casa. No entanto, Inocência está muito triste e parece doente. Chamada por seu pai para conversar com o noivo, ela diz que não se lembra de ter concordado com o casamento, afirma que não quer se casar e seu pai a agride. Pereira acredita ainda que foi Meyer o causador da sua desgraça. Enquanto decidem quem vai matar o alemão, o anão Tico comunica a Pereira que ele está enganado; não fora o alemão o responsável, mas sim Cirino. Pereira fica furioso. Manecão o acalma e diz que vai atrás do médico "desagravar a honra" de ambos.
O desenlace
Manecão segue Cirino durante três dias, enquanto este, sem perceber a sua presença, vai todos os dias à estrada esperar por Antônio Cesário. No final do prazo dado pelo padrinho de Inocência, Cirino está decidido a se matar se ele não vier ao seu encontro. Quem o encontra, porém, é Manecão, que atira nele. Antes de morrer, Cirino diz que, com sua morte, ele matara também Inocência. Depois diz que quer morrer como um cristão e perdoa Manecão por tê-lo assassinado. Ambos ouvem um cavalo se aproximando e Manecão foge. Para completar a tragédia, quem está chegando é Antônio Cesário, que finalmente decidira intervir a favor de Inocência e Cirino. Encontra Cirino agonizando, pergunta quem fez aquilo, mas Cirino não diz o nome do assassino. Pede a Cesário que diga a Inocência que morreu por causa dela e, com o dinheiro que está em seu bolso, pague sua dívida. O que sobrar deve ser distribuído aos pobres, "sobretudo aos morféticos". Seu último pedido é para que Cesário prometa que não deixará Inocência casar com Manecão. O padrinho promete e Cirino morre chamando
por Inocência.
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Homenagem à beleza
A história termina na Alemanha, em 18 de agosto de 1863, com a aclamação de Meyer pela Sociedade Geral Entomológica e pela imprensa, que elogia "os prodígios entomológicos" recolhidos por ele em "suas dilatadas peregrinações". Principalmente, a borboleta Papilio Innocentia, cujo nome fora dado "em homenagem à beleza de uma donzela (Mädchen) dos desertos da província de Mato Grosso (Brasil), criatura, segundo conta o Dr. Meyer, de fascinadora formosura". Exatamente nesse dia, fazia dois anos que Inocência tinha morrido, "no imenso sertão de Sant'Ana do Paranaíba".
Destinos entrelaçados
Há um paralelo entre o destino da borboleta e o de Inocência, como afirma a crítica Ilka Laurito: "A borboleta é capturada e morta, para ser exibida na Europa: sai do seu meio ambiente por meio da morte. Inocência, prisioneira e vítima de seu meio, transcende-o e se liberta apenas pela morte. Ambas representam a ideia de beleza e de fragilidade. Enquanto a borboleta se eterniza e perpetua o nome de Inocência, espetada pelo cientista num estojo de colecionador, a personagem do romance é eternizada pelo romancista que, pode-se dizer, 'espeta-a' nas páginas do livro".
Linguagem coloquial
O romance registra, na voz das personagens, a linguagem coloquial, popular, característica da região. Seu narrador onisciente, porém, utiliza-se da norma culta da língua para contar a história em terceira pessoa. Taunay destaca, por meio de grifos e notas explicativas, as expressões, os erros gramaticais e as confusões lingüísticas que as personagens fazem ao dialogar, como se nota em um trecho de conversa entre Meyer e Pereira:
O romance registra, na voz das personagens, a linguagem coloquial, popular, característica da região. Seu narrador onisciente, porém, utiliza-se da norma culta da língua para contar a história em terceira pessoa. Taunay destaca, por meio de grifos e notas explicativas, as expressões, os erros gramaticais e as confusões lingüísticas que as personagens fazem ao dialogar, como se nota em um trecho de conversa entre Meyer e Pereira:
"– Mas agora me conte, perguntou Pereira com ar de quem queria certificar-se de coisa posta muito em dúvida, deveras o senhor anda palmeando estes sertões para fisgar anicetos? – Pois não, respondeu Meyer com algum entusiasmo; na minha terra valem muito dinheiro para estudos, museus e coleções. Estou viajando por conta de meu governo, e já mandei bastantes caixas todas cheias... É muito precioso! – Ora, vejam só, exclamou Pereira. Quem havéra de dizer que até com isso se pode bichar? Cruz! Um homem destes, um doutor, andar correndo atrás de vaga-lumes e voadores do mato, como menino às voltas com cigarras! Muito se aprende neste mundo! E quer o senhor saber uma coisa? Se eu não tivesse família, era capaz de ir com vosmecê por esses fundões afora, porque sempre gostei de lidar com pessoas de qualidade e instrução... Eu sou assim... Quem me conhece, bem sabe... Homem de repentes... Vem-me cá uma ideia muito estrambótica às vezes, mas embirro e acabou-se; porque, se há alguém esturrado e teimoso, é este seu criado... Quando empaco, empaco de uma boa vez... Fosse no tempo de solteiro, e eu me botava com o senhor a catar toda essa bicharada dos sertões. Era capaz de ir dar com os ossos lá na sua terra... Não me olhe pasmado, não... Isso lá eu era... Nem que tivesse de passar canseiras como ninguém... O caso era meter-se-me a tenção nos cascos... Dito e feito; acabou-se... Fossem buscar o remédio onde quisessem... mas duvido que o achassem." | ||
Outros exemplos são os registros das distorções fonéticas e das consequentes confusões criadas entre o português e outras línguas, como o alemão e o francês. Meyer chama seu assistente de "Juque", no lugar de Juca, enquanto Juca o chama de "Mochu", corruptela da palavra francesa monsieur. Pereira confunde o nome de Meyer, frequentemente tratando-o por Maia, e reproduz o nome do local de nascimento do alemão, a Saxônia, como "saco-sonha". Pereira chama Inocência de Nocência, o que, para o crítico Francisco Manuel Silveira, é intencional, devido à etimologia das duas palavras. Ele afirma que Taunay quer mostrar que a personagem, personificação da inocência, terá o destino de nocência, "por ser pivô de um crime passional".
Valores de Inocência
"Inocência (do latim innocentia, ae) significa inocuidade, candura, pureza, simplicidade, ingenuidade, qualidade do que é inocente (= inofensivo, inócuo, sem culpa, isento de malícia, simples, ingênuo, ignorante). Esta palavra, em latim, é o antônimo de nocentia, ae – o que é nocente, prejudicial, nocivo, o que causa dano e mal. [...] A mocinha, na ótica do pai e dos preconceituosos valores sertanejos, é Nocência, isto é, nocente, danosa, nociva, fonte do mal. [...] Bem e mal imbricam-se na i(nocência) dos atos, preconceitos e dogmas dos personagens que conflitam porque os valores citadino (Cirino) e europeu (Meyer) se opõem inocentemente à simplicidade, ignorância e ingenuidade dos códigos morais sertanejos (Pereira, Manecão, até mesmo Cesário). [...] O que representa a inocuidade, o que não é nocivo ou prejudicial para certos valores éticos, será visto como inocência, nocividade danosa, por outros códigos morais – e vice-versa."
A realidade como matéria-prima
Taunay colheu material para compor muitos de seus personagens e ambientes quando estava em campanha em Mato Grosso, como conta no livro póstumo Reminiscências(1908). A seguir, dois exemplos da base documental que utilizou para criar o
romance Inocência:
"No dia 30 de junho estávamos no vasto rancho do Sr. José Pereira, bom mineiro que nos acolheu otimamente e era o primeiro morador que encontrávamos à saída do sertão bruto de Camapuã e entrada do de Sant'Ana do Paranaíba, um pouco mais habitado. Acordando indisposto, bem tarde, saí do pouso, chegando, nesse dia 1o de julho, à margem do Rio Sucuriú, afluente volumoso do Pardo que leva as águas ao Paraná. Aí vi o anãozinho mudo, mas um tanto gracioso, sobretudo ágil nos movimentos, que me serviu de tipo ao Tico do meu romance Inocência. Passou-nos numa canoa com muito jeito, buscando conversar e tornar-se amável por meio de frenética e engraçada gesticulação. Dei-lhe uma molhadurazinha e pôs-se a pular como um cabrito satisfeito da vida, fazendo-nos muitos acenos de agradecimentos e adeuses com o chapéu de palha furado, que não esqueci de indicar naquele livro."
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"Gritou ele para dentro: – 'Ó Jacinta, traga duas xícaras!'. Dali a pouco penetrava na saleta uma moça, na primeira flor dos anos, e tão formosa, tão resplandecente de beleza, que fiquei pasmado, enleado positivamente de boca aberta. Afigurava-se-me que um ente sobrenatural havia feito sua aparição e lembrei-me da frase tão exata e expressiva do grande Goethe, quando descreve a impressão que causara a entrada de Doroteia numa sala: 'parecia que aquele ambiente acanhado se tornava imenso, e transformava-se num espaço enorme!' Tão clara a minha admiração que o velho pôs-se a rir: – 'Então acha bonita a minha neta?' – 'Com efeito!' foi só o que pude responder a esta pergunta, tão singular, tão rara e digna de reparo naquelas distantes paragens. E com olhos embelezados, segui todos os gestos daquela excepcional sertaneja, que não se mostrava lá muito acanhada. Os seus encantos revestiam aquele quartinho de chão batido e paredes nuas de indizível e estupendo prestígio!... – 'Daqui a três semanas', declarou-me o avô, 'casa-se com um primo. Mas o senhor quer ver desgraça? A pobrezinha da inocente já está com o mal!...' – E, levantando-lhe um maço de esplêndidos cabelos, mostrou-me o lóbulo da orelha direita tumefato e arroxeado! Toda essa radiosa e extraordinária formosura estava condenada a ser pasto da repugnante lepra! [...] Jacinta Garcia deu, pois, nascimento moral a Inocência. Não levei, porém, a exatidão e maldade a ponto de, também, desta fazer desgraçada morfética. Não! fora demais! Do avô tirei o tipo do desconsolado leproso, repelido do rancho de Pereira, o Mineiro, e conservei-lhe no romance o nome verídico. Num pouso adiante, no José Roberto, encontrei um curandeiro que se intitulava doutor ou cirurgião, à vontade, e serviu-me para a figura do apaixonado Cirino de Campos, atenuando os modos insolentes, antipáticos daquele modelo, com quem entabulei, por curiosidade, conversação. Era homem pretensioso, quase grosseiro e supinamente ignorante, que viajava com um mundo de drogas para impingi-las, a torto e a direito, aos incautos."
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Vida e obra |
Um aristocrata esclarecido
Alfredo d'Escragnolle Taunay nasceu no Rio de Janeiro em 22 de fevereiro de 1843 e faleceu na mesma cidade em 25 de janeiro de 1899. Seu avô, o importante pintor Nicolau Antônio Taunay, foi um dos chefes da Missão Artística francesa que veio para o Brasil a convite de D. João VI em 1818. Seu pai, Félix Emílio Taunay, Barão de Taunay, foi um dos preceptores de D. Pedro II e durante muito tempo dirigiu a Escola Nacional de Belas-Artes. Pelo lado materno, era neto do Conde d'Escragnolle, emigrado da França pelas contingências da Revolução. Nesse ambiente aristrocrático e rico em arte e cultura, Taunay logo se interessou por literatura, música e desenho. Estudou Humanidades no Colégio Pedro II, onde se bacharelou em Letras em 1858. No ano seguinte, ingressou no curso de Ciências Físicas e Matemáticas da Escola Militar e tornou-se bacharel em Matemática em 1863. Foi promovido a segundo-tenente de Artilharia, em 1864, e inscreveu-se no segundo ano de Engenharia Militar.
Um observador dos costumes
Convocado antes de terminar o curso (em 1865), no início da Guerra do Paraguai, foi incorporado à Expedição de Mato Grosso como ajudante da Comissão de Engenheiros. Essa experiência foi fundamental para a maior parte dos seus escritos, inclusive o primeiro, Cenas de Viagem (1868). Em 1869, foi convidado para ser secretário do Estado-Maior do Conde d'Eu, comandante-em-chefe das forças brasileiras em operação no Paraguai. Uma de suas tarefas era redigir o Diário do Exército, cujo conteúdo foi, em 1870, publicado em livro com o mesmo nome. Após a guerra, terminou o curso de Engenharia e se tornou professor de Geologia e Mineralogia da Escola Militar.
Defensor da abolição
Taunay publicou o seu primeiro romance, Mocidade de Trajano, em 1871, com o pseudônimo Sílvio Dinarte, que usaria na maior parte das suas obras de ficção. Em 1872, foi publicado, em francês, A Retirada da Laguna, episódio em que participara na Guerra do Paraguai, e em 1874, foi publicada a sua tradução em português. Em 1872, além de A Retirada da Laguna, o escritor lançou o romance Inocência. Ambos foram elogiados e tornaram seu autor bastante conhecido. Elegeu-se deputado geral pelo Estado de Goiás nesse mesmo ano, mandato renovado em 1875. De 1876 a 1877, foi presidente da Província de Santa Catarina. Viajou para a Europa em 1878, depois da queda do Partido Conservador, do qual era militante. Voltou ao Brasil em 1880 e iniciou uma fase de intensa atividade em defesa de medidas como o casamento civil, a imigração, a libertação gradual dos escravos, a naturalização automática de estrangeiros.
Escritor engajado
Em 1881, Taunay elegeu-se novamente deputado por Santa Catarina. De 1885 a 1886, foi presidente do Paraná e lá implantou a sua política imigratória. Em 1886, foi eleito deputado geral por Santa Catarina e, logo a seguir, senador pela mesma Província, na vaga do Barão de Laguna. Monarquista convicto, defendeu a abolição dos escravos no Senado. Em 6 de setembro de 1889, recebeu o título de Visconde. No entanto, sua carreira foi interrompida com a Proclamação da República. Continuou a defender a Monarquia por meio da imprensa, escrevendo muitos artigos louvando o imperador banido. Taunay foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Além de romances, escreveu narrativas de guerra e viagens, descrições, recordações, depoimentos, artigos de crítica e escritos políticos. Foi também pintor, compositor e crítico de música.
Fonte: http://vestibular.uol.com.br |
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