Retratando a vida cotidiana, os amores e as traições da pequena burguesia de Lisboa, Eça de Queirós faz uma crítica demolidora da sociedade portuguesa nesta obra-prima da Literatura portuguesa.
Publicada em 1878, O Primo Basílio é uma obra fundamental do Realismo naturalista português. O livro inova a criação literária da época com uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queirós ataca uma das instituições mais sólidas: o casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a partir de sentimentos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações vulgares e medíocres – apesar de tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca, desperta o interesse da sociedade lisboeta. Embora o adultério fosse tema já trabalhado pelo Romantismo, Eça de Queirós explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes. Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo. O autor, que já mostrara sua opção por uma literatura ácida e nada sentimental em O Crime do Padre Amaro, cria personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros – e de comportamento sexual promíscuo.
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Cenário
O continente europeu passava por um processo de transformação radical. A Revolução Industrial iniciada no século anterior, na Inglaterra, provocou uma industrialização acelerada em vários países. As cidades cresciam rapidamente, camponeses transformavam-se em operários urbanos e a vida cultural ia se diversificando. Londres, Berlim, Viena e principalmente Paris eram os centros de um vigoroso processo criativo. Enquanto isso, Portugal mantinha-se apegado às glórias do passado. O país não chegou a desenvolver uma burguesia empreendedora e capitalista, nem uma elite intelectual significativa que fizesse desenvolver as artes e as ciências. A elite de Lisboa vivia apegada às glórias coloniais passadas. De costas para o futuro, vivia centrada em sua vida sem perspectivas.
Eça de Queirós faz parte de uma geração de jovens intelectuais, centrada em Coimbra, que reagem contra o atraso do país. Eles criticam o Romantismo como um sinônimo desse atraso. E com seus Realismo e Naturalismo pretendem incorporar à Literatura os métodos científicos próprios das ciências naturais. O autor disseca essas deformações da sociedade lusitana e explica sua fonte de pesquisa e inspiração neste trecho de uma carta enviada a Teófilo Braga, seu amigo e colega, também um doutrinário do Naturalismo e futuro presidente da República portuguesa:
Eça de Queirós faz parte de uma geração de jovens intelectuais, centrada em Coimbra, que reagem contra o atraso do país. Eles criticam o Romantismo como um sinônimo desse atraso. E com seus Realismo e Naturalismo pretendem incorporar à Literatura os métodos científicos próprios das ciências naturais. O autor disseca essas deformações da sociedade lusitana e explica sua fonte de pesquisa e inspiração neste trecho de uma carta enviada a Teófilo Braga, seu amigo e colega, também um doutrinário do Naturalismo e futuro presidente da República portuguesa:
"Mas a verdade é que eu procurei que os meus personagens pensassem, decidissem, falassem e atuassem como puros lisboetas, educados entre o Cais do Sodré e o Alto da Estrela; não lhes daria nem a mesma mentalidade, nem a mesma ação se eles fossem do Porto ou de Viseu; as individualidades morais variam de província a província." | ||
Eça também observa que não ataca a família enquanto instituição, mas sim "a família lisboeta, produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem e, mais tarde ou mais cedo, centro de bambochata".
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Enredo
O pano de fundo da narrativa de O Primo Basílio é um caso de adultério. Já no primeiro capítulo, o autor lança as sementes do conflito que dá pretexto para o livro. Descreve o marido que viaja, contrariado, a trabalho; a esposa que descobre que o primo e ex-noivo revisita a cidade e as lembranças que a notícia evoca. Introduz a criada Juliana, ressentida e frustrada, que terá um papel decisivo no desfecho trágico do romance.
No segundo capítulo, o autor apresenta as figuras secundárias, enfocadas durante breves visitas dominicais à casa de Luísa e Jorge. A relação amorosa clandestina mantida por Luísa e Basílio é descoberta pela criada que, de posse de uma carta dos amantes, chantageia a patroa. Abandonada pelo amante, que foge para Paris, Luísa não suporta a tensão e morre.
No segundo capítulo, o autor apresenta as figuras secundárias, enfocadas durante breves visitas dominicais à casa de Luísa e Jorge. A relação amorosa clandestina mantida por Luísa e Basílio é descoberta pela criada que, de posse de uma carta dos amantes, chantageia a patroa. Abandonada pelo amante, que foge para Paris, Luísa não suporta a tensão e morre.
Personagens
Os personagens que recheiam a obra de Eça de Queirós na sua fase naturalista, como em O Primo Basílio, são planos, ou seja, são o oposto dos personagens de grande intensidade interior e psicológica – os personagens esféricos. Na Literatura brasileira, Capitu (Dom Casmurro), de Machado de Assis, cheia de sentimentos complexos, é a mais esférica de nossos personagens femininos. Em O Primo Basílio, toda a intensidade é reservada para a trama. Os personagens apenas são por ela envolvidos e arrastados. Ou seja, a realidade objetiva é que molda e define a vida dos homens.
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Luísa, uma burguezinha da Baixa → Na descrição que o próprio Eça de Queirós faz na carta a Teófilo Braga, Luísa é "a burguezinha da Baixa" (Lisboa, Cidade Baixa): uma senhora sentimental, mal-educada, sem valores espirituais ou senso de justiça. É lírica e romântica, ociosa e "nervosa pela falta de exercício e disciplina moral". Luísa é esposa de Jorge, engenheiro de minas que ela conheceu após o abandono e rompimento (por carta) do noivado com o primo Basílio. Sua vida tranquila de leitora de folhetins é alterada pela viagem do marido e o retorno do primo a Portugal.
O motivo que a leva a se entregar a Basílio, de acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia. Uma mescla da falta do que fazer com a "curiosidade mórbida em ter um amante, mil vaidadezinhas inflamadas, um certo desejo físico...". O drama em que se enreda é inexplicável para o próprio personagem, como se vê neste trecho:
"E ela mesmo, por fim? Amava-o ela? Concentrou-se, interrogou-se... Imaginou casos, circunstâncias: se ele a quisesse levar para longe, para França, iria? Não! Se por acaso, por uma desgraça enviuvasse, antevia alguma felicidade casando com ele? Não. Mas então!... e como uma pessoa que destapa um frasco muito tempo guardado, e se admira vendo o perfume evaporado, ficou toda pasmada de encontrar o seu coração vazio." | ||
Basílio, um maroto sem paixão→ O primo e ex-noivo que retorna a Portugal na ausência do marido de Luísa é para Eça de Queirós "um maroto, sem paixão nem a justificação de sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha de uma aventura e o amor grátis".
Malicioso e cheio de truques para atrair a amante explorando a sua vaidade fútil, Basílio compara a fidelidade conjugal a uma demonstração de atraso das mulheres de Lisboa frente aos hábitos supostamente liberais e modernos das senhoras de Paris – todas com seus amantes, conforme assegurava o primo.
Malicioso e cheio de truques para atrair a amante explorando a sua vaidade fútil, Basílio compara a fidelidade conjugal a uma demonstração de atraso das mulheres de Lisboa frente aos hábitos supostamente liberais e modernos das senhoras de Paris – todas com seus amantes, conforme assegurava o primo.
Desprovido de charme ou atributos mais sedutores, é o mais cínico dos personagens "conquistadores" de Eça de Queirós. Em momentos de maior dramaticidade, quando começam a enfrentar as consequências do adultério, o cinismo de Basílio fica mais evidente: ele pensa apenas que teria sido mais vantajoso trazer consigo uma amante de Paris.
Juliana: ódio e chantagem → A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. É a figura que aparece com alguma intensidade interior, destoando um pouco das razões fúteis que movimentam os demais personagens.
Juliana: ódio e chantagem → A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. É a figura que aparece com alguma intensidade interior, destoando um pouco das razões fúteis que movimentam os demais personagens.
Ela é conduzida pela revolta (não suporta sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso contra a patroa (ódio, na verdade, contra todas as patroas que a fustigaram por 20 anos).
Assim como Basílio, Juliana tentará tirar proveito das circunstâncias, reunindo provas do adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende mais do que dinheiro – que exige sem sucesso de Luísa –, ela quer a desforra. E os recursos que utiliza levarão ao definhamento físico e emocional da patroa até o desfecho da história.
Jorge, o marido traído → Todo o drama iniciado com o roubo das cartas se deve à tentativa de Luísa de impedir que Jorge saiba do adultério. Com aparições curtas no romance, sua presença se faz sentir pelo papel social que representa: é o marido. E a forma como poderá reagir à infidelidade é especulada pelo narrador por meio de outro personagem, de forma metalingüística. Ernestinho Ledesma, autor medíocre que prepara uma peça teatral sobre um caso de adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o final de sua obra. Um marido deve matar a mulher adúltera?
Jorge, o marido traído → Todo o drama iniciado com o roubo das cartas se deve à tentativa de Luísa de impedir que Jorge saiba do adultério. Com aparições curtas no romance, sua presença se faz sentir pelo papel social que representa: é o marido. E a forma como poderá reagir à infidelidade é especulada pelo narrador por meio de outro personagem, de forma metalingüística. Ernestinho Ledesma, autor medíocre que prepara uma peça teatral sobre um caso de adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o final de sua obra. Um marido deve matar a mulher adúltera?
Personagens secundários
Os personagens secundários completam o quadro social lisboeta. O Conselheiro Acácio, frequentador do círculo próximo de Luísa, um dos mais citados e conhecidos personagens de Eça, é o intelectual vazio. Sua habilidade em dizer o óbvio com empáfia deu origem à expressão "verdades acacianas". Joana é a cozinheira que enfrenta Juliana por dedicação à patroa; Dona Felicidade é a de "beatice parva de temperamento irritado". E também há, "às vezes, quando calha, um pobre bom rapaz" – Eça refere-se a Sebastião, que se propõe a recuperar as cartas tomadas pela criada. Na carta a Teófilo Braga, Eça assegura: "Eu conheço 20 grupos assim formados. Uma sociedade sobre essas falsas bases não está na verdade: atacá-las é um dever".
Estilo e linguagem
A obra de Eça adapta o texto literário ao ritmo e à modulação da língua falada. Assim, rejuvenesce a linguagem literária, mesclando-a com recursos de abordagem mais próximos do jornalismo.
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Detalhismo
É notável o esmero detalhista do autor na descrição de uma confeitaria, neste trecho extraído do capítulo IV, em que combina elementos gerais e particulares, objetividade e subjetividade:
"Estavam parados ao pé da Confeitaria. Na vidraça, por trás deles emprateleirava-se uma exposição de garrafas de malvasia com os seus letreiros muito coloridos, transparências avermelhadas de gelatinas, amarelidões enjoativas de doces de ovos, e queques de um castanho-escuro tendo espetados cravos tristes de papel branco ou cor-de-rosa. Velhas natas lívidas amolentavam-se no oco dos folhados; ladrilhos grossos de marmeladas esbeiçavam-se ao calor; as empadinhas de marisco aglomeravam suas crostas ressequidas. E no centro, muito proeminente numa travessa, enroscava-se uma lampreia de ovos, medonha e bojuda [...]". | ||
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Fotografia lírica dos ambientes
Eça resgata a dimensão da prosa poética na "fotografia" meticulosa e lírica que faz dos ambientes. Observe essas características no trecho a seguir:
"Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranquilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve, o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora [...] Foi ver-se ao espelho; achou a pele mais clara, mais fresca, e um enternecimento úmido no olhar; seria verdade então o que dizia Leopoldina, que "não havia como uma maldadezinha para fazer a gente bonita?" Tinha um amante, ela!" | ||
Visão crua dos personagens
O narrador na terceira pessoa é onisciente. Eça deixa a vulgaridade de Basílio transparecer nos comentários que o primo faz sobre suas viagens e nos galanteios à prima, mas prefere descrever a cafajestice do conquistador retratando os pensamentos grosseiros de Basílio.
A combinação da leveza e do brilho das descrições com o relato grosseiro da realidade é outra marca estilística de Eça de Queirós. Ele opõe a expectativa romântica de Luísa e a ironização de suas idealizações ao descrever as atitudes grosseiras do amante Basílio. Bem ao gosto do Naturalismo, compara seres humanos com animais dominados por seus instintos, definindo a criada Juliana como uma loba.
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Uma obra naturalista
O Realismo/Naturalismo ou simplesmente Naturalismo é um movimento estético-literário influenciado pelas transformações científicas, filosóficas e sociais do século XIX.
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O Naturalismo de Eça
Segundo palavras do próprio autor, "o Romantismo em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje, o romance estuda-o na sua realidade social. [...] Toda a diferença entre o Idealismo e o Naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica".
A principal influência literária da fase naturalista de Eça de Queirós é atribuída aos escritores franceses Émile Zola, maior expoente do Naturalismo, e Gustave Flaubert, cuja obra lhe apontou os caminhos de saída da literatura romântica. Madame Bovary foi o exemplo apresentado por Eça na conferência do Cassino Lisbonense, em 1871.
A principal influência literária da fase naturalista de Eça de Queirós é atribuída aos escritores franceses Émile Zola, maior expoente do Naturalismo, e Gustave Flaubert, cuja obra lhe apontou os caminhos de saída da literatura romântica. Madame Bovary foi o exemplo apresentado por Eça na conferência do Cassino Lisbonense, em 1871.
Narrativa neutra
O Naturalismo provoca mudanças estilísticas no romance. Esses elementos "científicos" tornam-se mais importantes do que a interioridade ou subjetividade dos personagens. A origem social, educação e influências externas ganham ênfase determinantes, como se observa em O Primo Basílio. Novos recursos são incorporados à linguagem, como termos e explicações científicos para expressar a fragilidade da condição humana, com suas doenças e seus vícios. A Literatura é, além disso, revigorada com a introdução de vocabulário e sintaxe da linguagem oral. Na técnica narrativa, predomina o discurso indireto.
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Vida e obra |
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