Publicado em 1930, Alguma Poesia é o livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade. Contém poemas escritos desde 1923, alguns deles publicados anteriormente, como é o caso do célebre 'No meio do caminho', que, logo após a sua publicação, suscitou uma série de polêmicas.
Alguma Poesia continua os experimentos estéticos dos modernistas da Semana de 22, sobretudo de Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. Mesmo assim, neste primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, há uma série de características que o diferenciam da poesia modernista de 22 e serão aprofundadas em seus livros posteriores.
A estética modernista em Alguma Poesia
Em Alguma Poesia, Drummond adota vários procedimentos modernistas:
• Adoção do verso livre (sem métrica e sem rima);
• Aproveitamento da oralidade;
• Adoção de processos típicos da prosa (o prosaísmo);
• Supressão da pontuação (vírgulas e pontos);
• Paródia; a linguagem telegráfica (a preferência pela parataxe e pela concisão semântica);
• Poema-piada;
• Incorporação de temas ligados ao cotidiano;
• Nacionalismo crítico;
• Uso sistemático da metonímia;
• Uso de elipses e a justaposição de frases nominais;
• Simultaneísmo cubista.
A inovação em Alguma Poesia
A estética modernista em Alguma Poesia
Em Alguma Poesia, Drummond adota vários procedimentos modernistas:
• Adoção do verso livre (sem métrica e sem rima);
• Aproveitamento da oralidade;
• Adoção de processos típicos da prosa (o prosaísmo);
• Supressão da pontuação (vírgulas e pontos);
• Paródia; a linguagem telegráfica (a preferência pela parataxe e pela concisão semântica);
• Poema-piada;
• Incorporação de temas ligados ao cotidiano;
• Nacionalismo crítico;
• Uso sistemático da metonímia;
• Uso de elipses e a justaposição de frases nominais;
• Simultaneísmo cubista.
A inovação em Alguma Poesia
Por outro lado, o livro apresenta inovações e características desenvolvidas em obras posteriores e marcantes da personalidade literária de Carlos Drummond de Andrade:
• Repetição sistemática de vocábulos associada à visualidade do poema;
• Valorização da experiência, do fato em si;
• Estilo mesclado, em que temas elevados são tratados com linguagem coloquial, causando um efeito cômico e paródico;
• Certo ceticismo e a rejeição de qualquer ideologia;
• Tópica do conflito entre o eu e o mundo, em que já se manifesta o tema do gauchisme (desajustamento), que será amplamente desenvolvido no transcorrer de toda a obra do poeta;
• Adoção de temas ligados ao conflito existencial e às questões políticas e sociais (temas que serão aprofundados em A Rosa do Povo e Claro Enigma).
Matéria de poesia: a temática do poeta
Alguma Poesia é um conjunto de 49 poemas que podem ser divididos segundo uma classificação temática feita pelo próprio poeta, para a edição da Antologia Poética, publicada em 1962. Nessa classificação, sua obra é subdividida em nove categorias temáticas. Seus "pontos de partida ou matéria de poesia" são:
• O indivíduo;
• A terra natal;
• A família;
• Os amigos;
• O choque social;
• O conhecimento amoroso;
• A própria poesia;
• Exercícios lúdicos;
• Uma visão (ou tentativa) da existência.
Desses nove grupos temáticos, só um deles está ausente de Alguma Poesia, os amigos, embora não faltem poemas dedicados a eles – há até um poema cuja dedicatória aparece no título do texto ("Epigrama para Emílio Moura").
Esses grupos temáticos, no entanto, se entrecruzam e se associam a temas mais amplos, como a relação entre o eu e o mundo, o conflito entre o mundo moderno, urbano e o mundo provinciano, rural, o conflito entre o passado e o presente etc.
A temática da obra
Conforme a classificação temática acima, os poemas de Alguma Poesia podem ser distribuídos da seguinte forma:
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Nacional–estrangeiro
Em Alguma Poesia, há também a contraposição entre o nacional e o estrangeiro. Mais uma vez, o poeta se coloca de modo crítico e irônico nos dois pólos da questão: de um lado, rejeita o nacionalismo cego, isento de autocrítica; de outro, rejeita a submissão aos valores estrangeiros.
No poema "Também já fui brasileiro", o poeta assume uma posição crítica diante dos hábitos e costumes brasileiros, diante de uma espécie de nacionalismo alienante. O poeta não se deixa contaminar pelo pitoresco e se coloca à distância, acuado, com algo de amargo e cético:
“Eu também já fui brasileiro moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam.”
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No poema "Explicação", por outro lado, o poeta critica ironicamente a submissão aos valores estrangeiros:
“Para mim, de todas as burrices a maior é
suspirar pela EuropaA Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.” | ||
Essa mesma crítica aparece no poema "Europa, França e Bahia". Nele, o próprio eu lírico assume o "estrangeirismo" e, em uma espécie de devaneio, faz uma viagem pela Europa. No final do poema, é como se o poeta voltasse de seu devaneio à súbita recordação da "Canção do exílio", o célebre poema de Gonçalves Dias. Todo o poema possui um tom sarcástico e jocoso. Observe, no trecho que se segue, como certas palavras do poema demonstram o tom de sarcasmo e pilhéria (caranguejo, bolorentos, água suja):
“Meus olhos brasileiros sonhando exotismos. Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo. Os cais bolorentos de livros judeus e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.” | ||
A técnica utilizada no trecho acima é típica da estética modernista: o poema é todo construído por meio da justaposição de imagens inusitadas ou de associações insólitas, que fogem à causalidade lógica. Essa técnica foi muito cultuada por correntes vanguardistas como o Cubismo, o Futurismo e, sobretudo, o Surrealismo.
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O elogio da experiência
Em Alguma Poesia, há uma tendência a rejeitar as abstrações e as sensações difusas. O poeta lida com situações concretas, coisas, fatos. Há, portanto, uma espécie de elogio da experiência, do vivido. O poeta está sempre à espreita, observando ironicamente os fatos da vida. Mesmo os poemas em que parece haver alguma generalização filosófica, as coisas são reduzidas à sua expressão mais concreta e imediata. Veja, por exemplo, o poema "Lagoa":
“Eu não vi o mar. Não sei se o mar é bonito, não sei se ele é bravo. O mar não me importa. Eu vi a lagoa. A lagoa, sim. A lagoa é grande e calma também.” | ||
O mar representa o abstrato, o não-vivido, o longínquo. A lagoa, por outro lado, representa o vivido, a experiência.
No poema "Festa no brejo", os sapos podem transcender a sua significação intrínseca e representar a condição do homem preso a uma série de amarras (sociais, políticas, existenciais); podem, ainda, representar o homem provinciano, preso aos costumes mais simples e primitivos. No entanto, os sapos podem, por outro lado, ser vistos como simplesmente sapos e nada mais. Ou seja, o poema parece fugir a uma significação mais abstrata e insiste em se prender aos fatos ou às coisas tais como são, despidas de qualquer valor filosófico, de qualquer transcendência.
No último poema da série "Lanterna Mágica", intitulado "Bahia", há como que uma síntese de todo esse elogio à experiência. No poema, o poeta se nega a escrever sobre aquilo que não conhece (de forma muito semelhante ao que vimos acima em "Lagoa"):
“É preciso escrever um poema sobre a Bahia... Mas eu nunca fui lá.” | ||
Metalinguagem: poesia sobre poesia
O fazer poético é um dos grandes temas da poesia de Drummond. Em livros posteriores, principalmente em A Rosa do Povo (1945), há poemas metalingüísticos que se tornaram antológicos e figuram entre as mais belas peças da poesia brasileira contemporânea. Geralmente, nesses poemas, Drummond vê a poesia como um trabalho minucioso com as palavras, como uma construção, uma arquitetura – cabe ao poeta "lutar com palavras", procurar a forma exata, o sentido exato:
“Lutar com palavras É a luta mais vã. Entanto lutamos Mal rompe a manhã.” ("José", 1942) | ||
No poema "Procura da poesia", de A Rosa do Povo (1945), Drummond afirma que a essência da poesia não está nos assuntos ou nos fatos; a essência da poesia está na palavra, ou seja, a poesia, antes de mais nada, é feita de palavras – cabe ao poeta desentranhar das palavras seus sentidos secretos por meio de uma elaboração minuciosa da linguagem:
“Não faça versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, Não aquece nem ilumina. [...] Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. [...] Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma Tem mil faces secretas sob a face neutra [...]” | ||
Paradoxalmente, em Alguma Poesia, há outra noção do fazer poético. No poema "Poesia", a poesia é vista como inefável, indizível – algo que as próprias palavras não alcançam. O poema existe independente das palavras:
“Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia desse momento inunda minha vida inteira.” | ||
Em "Poema que aconteceu", vemos justamente o contrário do que ocorre em "Poesia". O poema surge sem motivo e o próprio poeta não tem consciência de que está escrevendo. A poesia surge inesperadamente, de um estalo. Se em "Poesia", o poeta busca o poema e este lhe escapa, em "Poema que aconteceu", o poeta parece indiferente ao próprio poema:
“Nenhum desejo neste Domingo nenhum problema nesta vida o mundo parou de repente os homens ficaram calados domingo sem fim nem começo A mão que escreve este poema não sabe o que está escrevendo mas é possível que se soubesse nem ligasse.” | ||
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A poesia lúdica
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Oswald de Andrade
Há de ressaltar, no livro, os poemas breves, epigramáticos e os poemas-piada. Esse estilo de poesia foi muito cultuado pelos modernistas, sobretudo por Oswald de Andrade. São poemas curtos, incisivos, sarcásticos, em que o riso surge de sua contenção linguística o efeito é criado pela sugestão. Em alguns casos, o motivo do poema é um simples trocadilho; em outros, é uma pequena cena inusitada, recolhida da vida diária. Veja como, em "Cota zero", o poeta consegue, com poucas palavras, captar um instante da vida moderna e, ao mesmo tempo, enchê-la de significado (a dependência do homem moderno em relação à tecnologia, às máquinas):
“Stop. A vida parou Ou foi o automóvel?” | ||
A poesia social
Em livros posteriores, sobretudo em Sentimento do Mundo (1940) e A Rosa do Povo(1945), Drummond escreveu vários poemas que tematizaram questões sociais e políticas. Aprofundou-se em sua obra o conflito entre o eu e o mundo. Segundo o crítico Affonso Romano de Sant'anna, no ensaio "Drummond: o Gauche no Tempo", nessa fase da poesia de Drummond, "o eu é menor que o mundo":
“Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores.” ("Mundo Grande", de Sentimento do Mundo, 1940) | ||
Esses versos parecem contraditórios para quem, em Alguma Poesia, afirmou que seu coração é mais vasto que o mundo ("mundo mundo vasto mundo / mais vasto é meu coração"). Mas a contradição é um dos elementos que fascina na obra de Drummond: sua obra revela o que há de multifacetado no homem. Enfim, houve, nessa fase posterior da obra de Drummond, um profundo embate entre sua individualidade e o mundo: o poeta se viu dividido entre a urgência das grandes causas sociais, coletivas, políticas e a sua individualidade. Dessa forma, os temas sociais foram amplamente explorados em sua obra.
Em Alguma Poesia, há sinais dessa que será a maior poesia social da literatura brasileira. Em poemas como "Romaria", "Outubro de 1930" e "Poema da purificação", a temática social surge de forma bastante contundente e crítica.
Em Alguma Poesia, há sinais dessa que será a maior poesia social da literatura brasileira. Em poemas como "Romaria", "Outubro de 1930" e "Poema da purificação", a temática social surge de forma bastante contundente e crítica.
Ironias com o amor
O amor, na poesia de Drummond, surge como algo problemático, incompreensível, que transfigura o homem e o mundo. Em Alguma Poesia, o poeta trata o amor de forma irônica, jocosa e debochada. O poeta se nega à exaltação amorosa nos moldes românticos. Há mesmo, em vários poemas amorosos, o estilo mesclado (temas sérios e elevados tratados com linguagem vulgar), como no poema "Casamento do céu e do inferno". Nesse poema, o poeta trata de temas elevados, como o amor, o sexo e a religião, com um tom galhofeiro e jocoso. O título alude a um famoso poema do poeta romântico inglês William Blake. Na primeira estrofe do poema, a lua, tema constante na poesia de exaltação amorosa, é "irônica" e "diurética", comparada a "uma gravura na sala de jantar". Ou seja, por meio do estilo mesclado, o poeta faz uma paródia da poesia de amor romântica e exaltada. Esse mesmo poema trata de um tema que é constante no livro, o conflito entre o sentimento amoroso e o erotismo: veja, por exemplo, como o poeta trata o erotismo no poema "Quero me casar". Há, por fim, vários poemas que tratam o amor sob o ponto de vista das convenções sociais.
Veja como, em "Quadrilha", o poeta tematiza o desencontro amoroso:
IMAGEM 1
Veja como, em "Quadrilha", o poeta tematiza o desencontro amoroso:
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Observe como o poema imita a dança da quadrilha, aquela em que os casais se alternam. É interessante ainda ressaltar a forma como o poeta ironiza as convenções sociais (o casamento). Todos os integrantes da dança amavam, exceto Lili. Nenhum deles se casou, com exceção justamente de Lili. Ou seja, o poeta contrapõe o amor ao casamento (mera convenção social). Outro detalhe interessante do poema é que todos são tratados pelo prenome (João, Maria, Raimundo etc.) e somente o futuro marido de Lili é tratado pelo sobrenome (J. Pinto Fernandes) – o sobrenome geralmente se associa à noção de propriedade, de posição social, o que faz pensar que, no poema, o casamento é visto como uma mera instituição ligada ao status e aos interesses financeiros. Há, ainda, por outro lado, a questão existencial: o poema mostra como o destino frustra as esperanças e os sonhos das pessoas.
Vida e obra de Carlos Drummond de Andrade |
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902, descendente de uma antiga família de mineradores e fazendeiros. Em 1916, deixou sua cidade natal para estudar na capital do Estado. Formado em Farmácia, não chegou a exercer a profissão, dedicando-se ao jornalismo. Depois de fazer contato com poetas modernistas de São Paulo, fundou A Revista em 1925 – primeiro jornal modernista mineiro. Trabalhou na grande imprensa de Belo Horizonte, nos jornais Diário de Minas e Minas Gerais.
Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, dedicando-se ao trabalho como funcionário público (chegou a ser chefe de gabinete do ministro da Educação Gustavo Capanema), ao jornalismo e à atividade literária. Exerceu funções burocráticas no serviço público até 1962.
Durante todos esses anos, manteve intensa atividade jornalística, publicando crônicas em diversos jornais do país. Dedicou-se também à tradução de grandes obras da literatura mundial. Morreu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1987.
Publicou seu primeiro livro, Alguma Poesia, com 28 anos e, aos 60 anos, o poeta contava com dez livros de poesia: Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo (1940), José (1942), A Rosa do Povo (1945), Novos Poemas (1948), Claro Enigma(1951), Fazendeiro do Ar (1954), A Vida Passada a Limpo (1959) e Lição de Coisas (1962). Esses livros foram coligidos, em 1969, no volume Reunião. Até 1980, Drummond publicou mais nove livros de poesia, entre os quais As Impurezas do Branco (1973) e A Paixão Medida (1980). Postumamente, foram publicados seus poemas eróticos, sob o título de O Amor Natural (1992).
Drummond ainda publicou um livro de contos (Contos de Aprendiz, 1951) e várias coleções de crônicas. O escritor tornou-se bastante popular com suas crônicas, apreciadas principalmente pelo humor e pela sensível observação do cotidiano.
Fonte: http://vestibular.uol.com.br |
Perfeito, me ajudou muito, análise específica e bem completa, obrigado.
ResponderExcluirEu nunca comentei um blog antes, mas me sinto obrigado a parabenizá-la pela EXCELENTE análise! =)
ResponderExcluirÓtima análise!
ResponderExcluirExcelente análise, principalmente à do Poema de Sete Faces!
ResponderExcluirAnálise extremamente detalhada e de fácil compreensão! Parabéns pelo ótimo trabalho.
ResponderExcluirExcelente! Parabéns pela análise sólida e completa. Muito esclarecedora e certamente auxiliará muitos alunos no processo de compreensão da obra.
ResponderExcluirParabéns pela análise, excelente. Me ajudou e ajudará muito ainda. Obrigado!
ResponderExcluirParabéns.....
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