Pessimismo, melancolia, tédio e morte são temas constantes nos poemas de Álvares de Azevedo. Sua obra marcou, junto com a de seu contemporâneo Casimiro de Abreu, uma nova fase no Romantismo brasileiro: aquela que cantou o amor irônico e sarcástico.
Álvares de Azevedo é um dos principais poetas da segunda fase do Romantismo brasileiro. É considerado o mais autêntico representante do "Mal do Século", característica dos escritores que falavam da melancolia, do pessimismo e do tédio em suas obras, sentimentos que a Medicina da época explicava ser fruto de uma bile negra produzida no baço. Os poemas de Lira dos Vinte Anos foram organizados em partes. Na Primeira, o autor fala da morte, uma perspectiva sempre presente, e do amor platônico, intangível. Na Segunda, o mesmo tema é abordado de forma diversa, agora sarcástica e ironicamente. Com o tempo, a obra foi ampliada e ganhou uma Terceira Parte. Para compreender cada uma delas é preciso, antes, conhecer as influências que o poeta teve de autores contemporâneos seus, como o francês Alfred de Musset e o inglês Lord Byron.
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George Gordon, nascido pobre em 1788, herdou, aos 16 anos, o título de Lord Byron e o castelo de Newstead. Chocou a sociedade aristocrática londrina com seus sucessivos e ruidosos casos amorosos, inclusive com sua meio-irmã Augusta. Viajou por toda a Europa em busca de emoções, envolveu-se amorosamente com homens e mulheres e morreu, aos 36 anos, de tuberculose. Em meio a essa maneira de viver – que na época se tornou o modelo do homem romântico que buscava a liberdade –, Byron escreveu uma obra grandiloquente e passional. Primeiro, encantou o mundo com seus poemas narrativos folhetinescos. Depois, chocou com seu lado satírico e satânico, apresentado em poemas como "Don Juan".
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Alfred de Musset foi quem mais influenciou os primeiros poemas de Álvares de Azevedo, que posteriormente incorporou a ironia cortante de Byron à sua obra. Para Musset, Byron foi o melhor exemplo de homem e poeta que quebra todas as regras sociais e vive guiado apenas pela emoção. A versão do "byronismo" de Musset é, no entanto, mais adocicada e sentimental, faltando-lhe muito da ironia sarcástica de Byron.
A divisão de Lira dos Vinte Anos em partes corresponde a essa evolução de influências. Na Primeira Parte do livro, destaca-se o romantismo sonhador e sentimental. Na Segunda, o romantismo irônico autocrítico.
Reunião dos poemas
A primeira organização das poesias de Álvares de Azevedo foi feita em 1853 por Domingos Jacy Monteiro, seu amigo, e publicada no volume Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo. Com o título Poesias, o livro traz aquela que seria a primeira versão de Lira dos Vinte Anos, dividida em duas partes, mas sem os seus respectivos prefácios. Essa primeira versão incluiria apenas os poemas até "É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!". A partir da edição organizada por Joaquim Norberto de Sousa e Silva, em 1873, foi acrescida uma Terceira Parte ao livro. E assim, a cada edição, a obra foi sendo modificada.
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Nessa edição, feita pela Companhia Editora Nacional, que editou Obras Completas de Álvares de Azevedo, os poemas da Primeira Parte vão de "No Mar" a "Lembrança de Morrer". Os da Segunda vão de "Um Cadáver de Poeta" a "Minha Desgraça" – incluindo-se aqui, na contagem, os seis da série Spleen e Charutos. Na Terceira Parte, os poemas vão de "Meu Desejo" a "Página Rota", o que, nas palavras do próprio Homero Pires, "não é senão uma continuação da Primeira Parte".
Primeira Parte
Segunda Parte
Nova direção
Terceira Parte
O próprio Antonio Candido explica esse poema:
Abordam, de forma abstrata e séria, os temas da morte e do amor platônico por uma virgem pálida envolta em brumas, e seguem a linha adocicada e intangível da obra de Alphonse de Lamartine – um dos maiores poetas do Romantismo francês – ou de Alfred de Musset. Lamartine influenciou a obra de Álvares de Azevedo, que o considerava "monótono e belo como a noite, como a lua no mar e o som das ondas". O autor de Lira dos Vinte Anos abre sua obra com frases do poeta português pré-romântico Bocage e de Lamartine para chegar às poesias que "falam de seres imaginários e ideias abstratas vagando na noite enevoada".
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As palavras de Bocage e de Lamartine escolhidas por Álvares de Azevedo para abrir sua obra dão uma ideia do que será o livro: a morte, Deus, o amor e a poesia inundam os poemas. No prefácio da Primeira Parte do livro, o autor explica como desenvolverá
essa temática.
O poeta sonha com uma musa saudosa e tímida. Desse sonho, nasce um poema triste e sem vigor. Essas são as características básicas da poesia que Álvares de Azevedo se desculpa em apresentar ao público.
Segunda Parte
Nela, o autor aborda o romantismo irônico e sarcástico. Sem abandonar os temas do amor e da morte, representados sempre sob o manto da noite sombria, passa agora a "falar com coisas". Lembrando as palavras do escritor João Cabral de Melo Neto, o autor de Lira dos Vinte Anos começa, aqui, a "poetizar os objetos que o rodeiam". Escreve sobre os charutos, sobre uma queda de cavalo, sobre o dinheiro – ou a falta dele –, enfim, sobre temas corriqueiros que não cabiam na poesia onírica e sentimental da Primeira Parte.
Nova direção
Para situar a passagem da Primeira Parte para a posterior, Álvares de Azevedo escreveu também um Prefácio para a Segunda Parte, explicando a mudança. Leia com atenção um trecho dessa explicação:
"Cuidado, leitor, ao voltar esta página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei, e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: – a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. [...] A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces." | ||
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Terceira Parte
É uma continuação da poesia sonhadora e sentimental da Primeira, mas nela encontramos um poema que foi considerado por Antonio Candido "um dos mais fascinantes e bem compostos de Álvares de Azevedo", o poema "Meu Sonho":
EU Cavaleiro das armas escuras, Onde vais pelas trevas impuras Com a espada sangüenta na mão? Por que brilham teus olhos ardentes E gemidos nos lábios frementes Vertem fogo do teu coração? Cavaleiro, quem és? o remorso? Do corcel te debruças no dorso... E galopas do vale através... Oh! da estrada acordando as poeiras Não escutas gritar as caveiras E morder-te o fantasma nos pés? Onde vais pelas trevas impuras, Cavaleiro das armas escuras, Macilento qual morto na tumba?... Tu escutas... Na longa montanha Um tropel teu galope acompanha? E um clamor de vingança retumba? Cavaleiro, quem és? – que mistério, Quem te força da morte no império Pela noite assombrada a vagar? O FANTASMA Sou o sonho de tua esperança, Tua febre que nunca descansa, O delírio que te há de matar!... | ||
O próprio Antonio Candido explica esse poema:
"À vista de certos traços de auto-erotismo na obra de Álvares de Azevedo, o fato da espada ser representada na mão do cavaleiro leva a pensar numa fantasia onírica de cunho masturbatório. [...] Esta leitura simbólica é confirmada por outros traços que completam o quadro, porque se ligam ao orgasmo, como 'olhos ardentes' (verso 4), 'gemidos nos lábios frementes' (verso 5), e quem sabe o fogo metafórico, talvez seminal, que arde no coração e dele transborda (verso 6)." | ||
Sendo assim, os elementos macabros estariam compondo com estes, de maneira peculiar, o par romântico Amor e Morte.
Vida e obra |
A melhor análise de Lira dos Vinte Anos que encontrei.
ResponderExcluirCaramba!! Eu não acredito, minha professora passou pra gente fazer uma análise literária e este site foi bem útil pra mim... Sem comparação, melhor até do que o Wikipedia.
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