segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Análise 34 - O Ateneu


Considerado um dos mais importantes romances da Literatura brasileira, este livro apresenta um refinado ecletismo estilístico, que reúne características do Realismo e do Naturalismo, com incursões pelo Impressionismo e Expressionismo.

Publicado em folhetins do jornal Gazeta de Notícias, a partir de abril de 1888, quando Raul Pompéia tinha 25 anos, O Ateneu é saudado na época de seu lançamento como um romance "vazado em moldes inteiramente modernos, sem intriga, de pura observação e fina crítica, passando pelas escabrosidades com a delicadeza e o fino tato de um artista de raça, acentuando os ridículos com a nitidez de uma fotografia". Um comentário crítico que tem marcas típicas do Realismo (movimento literário predominante no fim do século XIX). A obra de Raul Pompéia apresenta um refinado ecletismo estilístico, com características do Realismo e do Naturalismo e algumas incursões pelo Impressionismo e Expressionismo. 

Um romance de memórias 

O Ateneu (Crônica de Saudades) apresenta um foco narrativo em primeira pessoa. O narrador, Sérgio, reconstrói pela memória um pedaço de seu passado – dois anos vividos num internato para meninos, o Ateneu. Considerado um colégio de excelência, dirigido pelo austero e reconhecido pedagogo Aristarco Argolo de Ramos, o internato acolhia em suas classes alunos provenientes de respeitáveis famílias cariocas e até de outros Estados. Sérgio chega a esse ambiente com 11 anos.


Para lembrar
O menino vive no internato dois anos decisivos para sua formação, que deixarão marcas profundas em sua personalidade. Toda a aparência de nobre pedagogia do Ateneu vai demonstrar, para Sérgio, um mundo hostil e egoísta.

O motivo pelo qual o narrador faz um recorte em seu passado é eminentemente pessoal. Segundo Mário de Andrade, a intenção de Sérgio, ao fazer a reconstrução desse tempo, é de vingança, mais de que denúncia de um sistema educacional arcaico e impiedoso. Tal interpretação sustenta-se ao se considerar O Ateneu um romance de inspiração autobiográfica.

Lembranças de Raul Pompéia

O Ateneu retrata reconhecidamente um período da vida de seu autor. Entre os 10 e os 16 anos, Raul Pompéia conheceu na Corte a educação escolar sob regime de internato. O escritor foi aluno do famoso Colégio Abílio, dirigido pelo renomado educador Dr. Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas. Raul aproveita-se da experiência para transfigurá-la em sua narrativa. Deve-se considerar, portanto, Sérgio como alter ego do autor; o Ateneu e seu diretor Aristarco Argolo de Ramos como paralelos ficcionais do Colégio Abílio e do Dr. Abílio César Borges. 


Anote!
O Ateneu, ilustrado pelo próprio autor, pode ser considerado um romance de formação, pois retrata um período decisivo da vida do narrador para a construção de sua personalidade.

O internato reflete a sociedade


Quando Sérgio, com 11 anos, chega às portas do Ateneu, no início da narrativa, seu pai lhe diz proféticas palavras: "Vais encontrar o mundo [...]. Coragem para a luta". O verdadeiro significado da advertência paterna Sérgio experimentará nos dois anos de estudos no internato.


Para lembrar
Egoísmo, injustiça, ambição e hipocrisia são alguns dos valores a que Sérgio estará exposto nesse período. Assim, o limitado espaço do internato torna-se uma espécie de microcosmo da sociedade.

Como diz o professor Cláudio, no capítulo XI, quando fala sobre Educação:"Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora [...]. Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete." 


Anote!
O Colégio Ateneu também pode ser interpretado como uma miniatura da sociedade imperial da época na qual Aristarco encarna a figura do poder arbitrário, narcisista e ambicioso, própria dos imperadores.

Com os paralelos entre o colégio e a sociedade, Raul Pompéia mostra sua explícita adesão aos ideais republicanos, ao mesmo tempo em que procura minar as estruturas monárquicas que considerava ultrapassadas. 

Crônicas de saudades

O subtítulo do romance é irônico. Ao escrever suas memórias, Sérgio busca na maturidade uma autocompreensão da infância. As amargas experiências vividas no Ateneu lhe deixaram marcas profundas e não podem ser consideradas "boas lembranças", como o subtítulo em princípio sugere. Ainda no início do romance, o narrador escreve: 



"Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada de decepções que nos ultrajam."


Para lembrar
Em O Ateneu, Raul Pompéia subverte a ótica romântica segundo a qual o tempo da infância é sinônimo de felicidade inocente. O romance é um retrato impiedoso dos bancos escolares, em que "cada rosto amável daquela infância era máscara de uma falsidade, o prospecto de uma traição".

Nos domínios dos "protetores"

Logo no início do primeiro ano de colégio, Sérgio é aconselhado por Rebelo, que o adverte: "Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se". Recém-saído da estufa de carinho e proteção familiar, Sérgio vê-se de repente parte de um grupo no qual "os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo". A partir dessas observações, Rebelo conclui: "Faça-se homem, meu amigo. Comece por não admitir protetores". 

As amizades no colégio

Em pouco tempo de internato, Sérgio vê enfraquecida a decisão tomada de seguir o conselho de Rebelo e não admitir para si os chamados "protetores" – meninos de forte compleição física – que resguardavam os mais fracos em troca, principalmente, de favores amorosos. Ao forçar uma certa reserva em relação aos colegas, o narrador sente-se angustiado e acovardado, e assim deseja alguém que lhe valha, "naquele meio hostil e desconhecido". Sanches, que se aproximara de Sérgio fingindo salvá-lo de um afogamento, cumprirá esse papel. Além da proteção, Sanches ajudará Sérgio nos estudos. Apesar da amizade, o narrador sente um certo asco pelo companheiro e, quando este o pressiona com intenções sexuais, ele se afasta. No final do primeiro ano, outra amizade se compõe. Bento Alves torna-se uma espécie de herói no Ateneu após capturar um funcionário fugitivo que cometera um crime dentro do colégio. Forte e generoso, Bento Alves é admirado por Sérgio. Logo, ambos tornam-se companheiros. Passam também a estudar juntos. Bento aceita um embate corporal com Malheiros para defender a honra do novo amigo. E aqui o narrador aceita melhor o papel de "namorada", porém sem favores sexuais. No segundo ano de Sérgio no Ateneu, Bento Alves inesperadamente rompe essa amizade. 


Para lembrar 
A caracterização do meio como um componente capaz de determinar o comportamento dos personagens é um traço que marca a presença do Naturalismo no romance. No Ateneu, Sérgio vive o conflito de desejos e atitudes contraditórios gerado pelo ambiente pernicioso do colégio.

Outras afinidades


Após ter se afastado de Sanches, Sérgio vive uma fase mística. Elege Santa Rosália, cuja imagem possui em gravura, como sua padroeira. Reza e identifica-se com a religião e a Astronomia. Aproxima-se de Franco, menino de comportamento agressivo e alvo das punições exemplares de Aristarco. O contorno de marginalidade flagelada desse aluno atrai Sérgio nesse período. No segundo ano, Franco adoece e propositadamente expõe-se ao sereno e à soalheira, agravando seu estado e provocando com isso a própria morte. Morre abraçado à imagem de Santa Rosália que furtara de Sérgio. Nesse mesmo segundo ano, Sérgio estreita relações com Egbert, um garoto muito bonito e delicado. Porém, quem mais vai causar impacto nas memórias do narrador é D. Ema, mulher de Aristarco. Convidado para um jantar na casa do diretor, graças ao bom desempenho nas provas, Sérgio impressiona-se com a figura de D. Ema, que até então era algo distante e motivo de boatos entre os alunos. A mulher do diretor surge nos sonhos do narrador como uma imagem ambígua, misto de "mãe" e "mulher". Quando Sérgio, no final do segundo ano, adoece e é enviado à casa do diretor, como se fazia sempre que um aluno adoecia, D. Ema cuida dele e intensificam-se os conflitos internos do narrador.


Para lembrar 
As impressões de Sérgio em relação a D. Ema projetam um sentimento de vínculo edipiano, gerado talvez pela ruptura eu versus família, consagrada no período em que o narrador vive no Ateneu.

Outro indício da presença do que Freud chamara de Complexo de Édipo na narrativa deO Ateneu explica-se pelo fato de Ema ser um duplo anagrama: de "mãe" e de "ame". 

As descrições subjetivas de D. Ema derivadas do contato de Sérgio com a esposa de Aristarco indicam a interferência impressionista na narrativa de Pompéia, como se percebe no trecho extraído do capítulo X: 


"Quando no dia do jantar subi para o dormitório com Egbert, dançava-me no espírito, reduzida a miniatura, a imagem de Ema (era agradável suprimir o D.), pequenina como uma abelha de ouro, vibrante e incerta. Sonhei: ela sentada na cama, eu no verniz do chão, de joelhos. Mostrava-me a mão, recortada de puro jaspe, unhas de rosa, como pétalas incrustadas. Eu fazia esforços para colher a mão e beijar; a mão fugia; chegava-se um pouco, escapava para mais alto; baixava de novo, fugia mais longe ainda, para o teto, para o céu, e eu a via inatingível na altura, clara, aberta como um astro."

Os desafetos

À exceção de D. Ema, Egbert e, em parte, Bento Alves e o professor Cláudio, todos os demais personagens do romance possuem traços de extrema deformação. São descritos pelo narrador como criaturas grotescas. Deve-se, contudo, atentar para um ponto estilístico importante em Raul Pompéia: não se trata do grotesco puro, mas quase sempre construído pela duplicidade. Apesar de bela, Ângela é corresponsável por um crime. Ribas é dotado de uma voz divina, mas sua aparência é horrível. Aristarco mostra, em princípio, nobres preocupações pedagógicas, porém é mais que tudo um empresário ambicioso e frio. Aliás, o diretor do colégio é, entre todos, aquele que mais apresenta deformações. Arbitrário e vaidoso, hipócrita e financista, ele é o único responsável pelo terrorismo psicológico, e às vezes físico, divulgado como rigor pedagógico, que assola os alunos do Ateneu. 


Para lembrar
A influência expressionista na prosa de Pompéia surge nas descrições que tendem para a caricatura grotesca ou na escolha de um vocabulário de caráter repulsivo. Como, no capítulo III, quando Sérgio escreve: "Referi que Sanches me provocava uma repugnância de gosma".

A vingança

Se admitirmos a hipótese de vingança, segundo a qual Raul Pompéia escreveu o romance para vingar-se do passado (além de tentar entendê-lo), o fim da narrativa deve ser encarado como símbolo da destruição de um passado. No final do segundo ano de Sérgio no Ateneu, com poucos alunos no colégio – pois a maioria já havia saído em férias –, o narrador vê o internato arder em chamas até se tornar ruínas, ao mesmo tempo em que D. Ema se aproveita do episódio para abandonar o marido. Vingança contra o colégio interno, vingança contra o diretor.

Vida e Obra

Caricatura de Raul Pompéia.
Uma personalidade conturbada 



Na definição do crítico literário Temístocles Linhares, Raul Pompéia era "hiperemotivo, tímido, prisioneiro de si próprio e incapaz de comunicações profundas [...] sempre se mostrou impotente para amar alguém e até para amar a si mesmo. O seu drama era esse". Essas palavras deixam claro a personalidade conturbada do escritor, um dos maiores de nossa literatura. 

O homem solitário 

Nascido em Jacuecanga, município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, a 12 de abril de 1863, Raul D'Ávila Pompéia teve uma infância rica e reclusa. Seus pais, Dr. Antônio D'Ávila Pompéia e Rosa Teixeira Pompéia, proprietários de uma grande fazenda de cana-de-açúcar, viviam isolados socialmente. No início da década de 1870, muda-se com a família para a Corte e, em 1873, Raul está matriculado no Colégio Abílio, no qual permaneceu até 1878. Foi nesse período de internato que o autor de O Ateneu, além de receber as influências para escrever sua obra-prima, compôs seu primeiro trabalho, Uma Tragédia no Amazonas – romance que recebeu boa acolhida pela crítica, principalmente por ser o autor tão jovem. De 1879 a 1880, Raul completou seus estudos preparatórios no Externato do Imperial Colégio D. Pedro II e, no ano seguinte, já era aluno do curso de Direito, em São Paulo.

O escritor engajado  

O ano de 1881 marcou uma revolução em nossas letras. Do Maranhão veio nosso primeiro romance naturalista, O Mulato, de Aluísio Azevedo. No Rio de Janeiro, foi publicado um estranho romance de feição realista, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.



Para lembrar
Em 1882, Raul Pompéia publicou em folhetim, na Gazeta de Notícias, seu segundo trabalho, As Joias da Coroa, romance que apresenta uma face ideológica do autor que marcará sua postura política de longa e marcante atuação – a adesão ao pensamento republicano e, consequentemente, a recusa aberta à Monarquia. 


Durante o período em que frequentou o curso de Direito, Raul Pompéia colaborou em várias revistas e jornais. Ali, além de republicano ferrenho, abraçou outra causa: o abolicionismo. Por temperamento, o autor de O Ateneu dedicou-se mais ao jornalismo do que à literatura. Nos jornais, participou de muitas e fervorosas polêmicas e fez vários inimigos. Um desses embates públicos terminou em trágico desfecho. A hipersensibilidade de Raul Pompéia levou o escritor, jornalista, político, polemista e professor ao suicídio, em 25 de dezembro de 1895. 

Fonte: http://vestibular.uol.com.br

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