Considerado um dos mais importantes romances da Literatura brasileira, este livro apresenta um refinado ecletismo estilístico, que reúne características do Realismo e do Naturalismo, com incursões pelo Impressionismo e Expressionismo.
Publicado em folhetins do jornal Gazeta de Notícias, a partir de abril de 1888, quando Raul Pompéia tinha 25 anos, O Ateneu é saudado na época de seu lançamento como um romance "vazado em moldes inteiramente modernos, sem intriga, de pura observação e fina crítica, passando pelas escabrosidades com a delicadeza e o fino tato de um artista de raça, acentuando os ridículos com a nitidez de uma fotografia". Um comentário crítico que tem marcas típicas do Realismo (movimento literário predominante no fim do século XIX). A obra de Raul Pompéia apresenta um refinado ecletismo estilístico, com características do Realismo e do Naturalismo e algumas incursões pelo Impressionismo e Expressionismo.
Um romance de memórias
O Ateneu (Crônica de Saudades) apresenta um foco narrativo em primeira pessoa. O narrador, Sérgio, reconstrói pela memória um pedaço de seu passado – dois anos vividos num internato para meninos, o Ateneu. Considerado um colégio de excelência, dirigido pelo austero e reconhecido pedagogo Aristarco Argolo de Ramos, o internato acolhia em suas classes alunos provenientes de respeitáveis famílias cariocas e até de outros Estados. Sérgio chega a esse ambiente com 11 anos.
O motivo pelo qual o narrador faz um recorte em seu passado é eminentemente pessoal. Segundo Mário de Andrade, a intenção de Sérgio, ao fazer a reconstrução desse tempo, é de vingança, mais de que denúncia de um sistema educacional arcaico e impiedoso. Tal interpretação sustenta-se ao se considerar O Ateneu um romance de inspiração autobiográfica.
Lembranças de Raul Pompéia
O Ateneu retrata reconhecidamente um período da vida de seu autor. Entre os 10 e os 16 anos, Raul Pompéia conheceu na Corte a educação escolar sob regime de internato. O escritor foi aluno do famoso Colégio Abílio, dirigido pelo renomado educador Dr. Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas. Raul aproveita-se da experiência para transfigurá-la em sua narrativa. Deve-se considerar, portanto, Sérgio como alter ego do autor; o Ateneu e seu diretor Aristarco Argolo de Ramos como paralelos ficcionais do Colégio Abílio e do Dr. Abílio César Borges.
Um romance de memórias
O Ateneu (Crônica de Saudades) apresenta um foco narrativo em primeira pessoa. O narrador, Sérgio, reconstrói pela memória um pedaço de seu passado – dois anos vividos num internato para meninos, o Ateneu. Considerado um colégio de excelência, dirigido pelo austero e reconhecido pedagogo Aristarco Argolo de Ramos, o internato acolhia em suas classes alunos provenientes de respeitáveis famílias cariocas e até de outros Estados. Sérgio chega a esse ambiente com 11 anos.
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O motivo pelo qual o narrador faz um recorte em seu passado é eminentemente pessoal. Segundo Mário de Andrade, a intenção de Sérgio, ao fazer a reconstrução desse tempo, é de vingança, mais de que denúncia de um sistema educacional arcaico e impiedoso. Tal interpretação sustenta-se ao se considerar O Ateneu um romance de inspiração autobiográfica.
Lembranças de Raul Pompéia
O Ateneu retrata reconhecidamente um período da vida de seu autor. Entre os 10 e os 16 anos, Raul Pompéia conheceu na Corte a educação escolar sob regime de internato. O escritor foi aluno do famoso Colégio Abílio, dirigido pelo renomado educador Dr. Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas. Raul aproveita-se da experiência para transfigurá-la em sua narrativa. Deve-se considerar, portanto, Sérgio como alter ego do autor; o Ateneu e seu diretor Aristarco Argolo de Ramos como paralelos ficcionais do Colégio Abílio e do Dr. Abílio César Borges.
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O internato reflete a sociedade
Quando Sérgio, com 11 anos, chega às portas do Ateneu, no início da narrativa, seu pai lhe diz proféticas palavras: "Vais encontrar o mundo [...]. Coragem para a luta". O verdadeiro significado da advertência paterna Sérgio experimentará nos dois anos de estudos no internato.
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Como diz o professor Cláudio, no capítulo XI, quando fala sobre Educação:"Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo lá fora [...]. Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete."
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Com os paralelos entre o colégio e a sociedade, Raul Pompéia mostra sua explícita adesão aos ideais republicanos, ao mesmo tempo em que procura minar as estruturas monárquicas que considerava ultrapassadas.
Crônicas de saudades
"Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada de decepções que nos ultrajam." | ||
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Nos domínios dos "protetores"
Logo no início do primeiro ano de colégio, Sérgio é aconselhado por Rebelo, que o adverte: "Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se". Recém-saído da estufa de carinho e proteção familiar, Sérgio vê-se de repente parte de um grupo no qual "os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo". A partir dessas observações, Rebelo conclui: "Faça-se homem, meu amigo. Comece por não admitir protetores".
As amizades no colégio
Em pouco tempo de internato, Sérgio vê enfraquecida a decisão tomada de seguir o conselho de Rebelo e não admitir para si os chamados "protetores" – meninos de forte compleição física – que resguardavam os mais fracos em troca, principalmente, de favores amorosos. Ao forçar uma certa reserva em relação aos colegas, o narrador sente-se angustiado e acovardado, e assim deseja alguém que lhe valha, "naquele meio hostil e desconhecido". Sanches, que se aproximara de Sérgio fingindo salvá-lo de um afogamento, cumprirá esse papel. Além da proteção, Sanches ajudará Sérgio nos estudos. Apesar da amizade, o narrador sente um certo asco pelo companheiro e, quando este o pressiona com intenções sexuais, ele se afasta. No final do primeiro ano, outra amizade se compõe. Bento Alves torna-se uma espécie de herói no Ateneu após capturar um funcionário fugitivo que cometera um crime dentro do colégio. Forte e generoso, Bento Alves é admirado por Sérgio. Logo, ambos tornam-se companheiros. Passam também a estudar juntos. Bento aceita um embate corporal com Malheiros para defender a honra do novo amigo. E aqui o narrador aceita melhor o papel de "namorada", porém sem favores sexuais. No segundo ano de Sérgio no Ateneu, Bento Alves inesperadamente rompe essa amizade.
Outras afinidades
Após ter se afastado de Sanches, Sérgio vive uma fase mística. Elege Santa Rosália, cuja imagem possui em gravura, como sua padroeira. Reza e identifica-se com a religião e a Astronomia. Aproxima-se de Franco, menino de comportamento agressivo e alvo das punições exemplares de Aristarco. O contorno de marginalidade flagelada desse aluno atrai Sérgio nesse período. No segundo ano, Franco adoece e propositadamente expõe-se ao sereno e à soalheira, agravando seu estado e provocando com isso a própria morte. Morre abraçado à imagem de Santa Rosália que furtara de Sérgio. Nesse mesmo segundo ano, Sérgio estreita relações com Egbert, um garoto muito bonito e delicado. Porém, quem mais vai causar impacto nas memórias do narrador é D. Ema, mulher de Aristarco. Convidado para um jantar na casa do diretor, graças ao bom desempenho nas provas, Sérgio impressiona-se com a figura de D. Ema, que até então era algo distante e motivo de boatos entre os alunos. A mulher do diretor surge nos sonhos do narrador como uma imagem ambígua, misto de "mãe" e "mulher". Quando Sérgio, no final do segundo ano, adoece e é enviado à casa do diretor, como se fazia sempre que um aluno adoecia, D. Ema cuida dele e intensificam-se os conflitos internos do narrador.
Outro indício da presença do que Freud chamara de Complexo de Édipo na narrativa deO Ateneu explica-se pelo fato de Ema ser um duplo anagrama: de "mãe" e de "ame".
As descrições subjetivas de D. Ema derivadas do contato de Sérgio com a esposa de Aristarco indicam a interferência impressionista na narrativa de Pompéia, como se percebe no trecho extraído do capítulo X:
Os desafetos
À exceção de D. Ema, Egbert e, em parte, Bento Alves e o professor Cláudio, todos os demais personagens do romance possuem traços de extrema deformação. São descritos pelo narrador como criaturas grotescas. Deve-se, contudo, atentar para um ponto estilístico importante em Raul Pompéia: não se trata do grotesco puro, mas quase sempre construído pela duplicidade. Apesar de bela, Ângela é corresponsável por um crime. Ribas é dotado de uma voz divina, mas sua aparência é horrível. Aristarco mostra, em princípio, nobres preocupações pedagógicas, porém é mais que tudo um empresário ambicioso e frio. Aliás, o diretor do colégio é, entre todos, aquele que mais apresenta deformações. Arbitrário e vaidoso, hipócrita e financista, ele é o único responsável pelo terrorismo psicológico, e às vezes físico, divulgado como rigor pedagógico, que assola os alunos do Ateneu.
A vingança
Se admitirmos a hipótese de vingança, segundo a qual Raul Pompéia escreveu o romance para vingar-se do passado (além de tentar entendê-lo), o fim da narrativa deve ser encarado como símbolo da destruição de um passado. No final do segundo ano de Sérgio no Ateneu, com poucos alunos no colégio – pois a maioria já havia saído em férias –, o narrador vê o internato arder em chamas até se tornar ruínas, ao mesmo tempo em que D. Ema se aproveita do episódio para abandonar o marido. Vingança contra o colégio interno, vingança contra o diretor.
Logo no início do primeiro ano de colégio, Sérgio é aconselhado por Rebelo, que o adverte: "Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se". Recém-saído da estufa de carinho e proteção familiar, Sérgio vê-se de repente parte de um grupo no qual "os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo". A partir dessas observações, Rebelo conclui: "Faça-se homem, meu amigo. Comece por não admitir protetores".
As amizades no colégio
Em pouco tempo de internato, Sérgio vê enfraquecida a decisão tomada de seguir o conselho de Rebelo e não admitir para si os chamados "protetores" – meninos de forte compleição física – que resguardavam os mais fracos em troca, principalmente, de favores amorosos. Ao forçar uma certa reserva em relação aos colegas, o narrador sente-se angustiado e acovardado, e assim deseja alguém que lhe valha, "naquele meio hostil e desconhecido". Sanches, que se aproximara de Sérgio fingindo salvá-lo de um afogamento, cumprirá esse papel. Além da proteção, Sanches ajudará Sérgio nos estudos. Apesar da amizade, o narrador sente um certo asco pelo companheiro e, quando este o pressiona com intenções sexuais, ele se afasta. No final do primeiro ano, outra amizade se compõe. Bento Alves torna-se uma espécie de herói no Ateneu após capturar um funcionário fugitivo que cometera um crime dentro do colégio. Forte e generoso, Bento Alves é admirado por Sérgio. Logo, ambos tornam-se companheiros. Passam também a estudar juntos. Bento aceita um embate corporal com Malheiros para defender a honra do novo amigo. E aqui o narrador aceita melhor o papel de "namorada", porém sem favores sexuais. No segundo ano de Sérgio no Ateneu, Bento Alves inesperadamente rompe essa amizade.
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Após ter se afastado de Sanches, Sérgio vive uma fase mística. Elege Santa Rosália, cuja imagem possui em gravura, como sua padroeira. Reza e identifica-se com a religião e a Astronomia. Aproxima-se de Franco, menino de comportamento agressivo e alvo das punições exemplares de Aristarco. O contorno de marginalidade flagelada desse aluno atrai Sérgio nesse período. No segundo ano, Franco adoece e propositadamente expõe-se ao sereno e à soalheira, agravando seu estado e provocando com isso a própria morte. Morre abraçado à imagem de Santa Rosália que furtara de Sérgio. Nesse mesmo segundo ano, Sérgio estreita relações com Egbert, um garoto muito bonito e delicado. Porém, quem mais vai causar impacto nas memórias do narrador é D. Ema, mulher de Aristarco. Convidado para um jantar na casa do diretor, graças ao bom desempenho nas provas, Sérgio impressiona-se com a figura de D. Ema, que até então era algo distante e motivo de boatos entre os alunos. A mulher do diretor surge nos sonhos do narrador como uma imagem ambígua, misto de "mãe" e "mulher". Quando Sérgio, no final do segundo ano, adoece e é enviado à casa do diretor, como se fazia sempre que um aluno adoecia, D. Ema cuida dele e intensificam-se os conflitos internos do narrador.
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Outro indício da presença do que Freud chamara de Complexo de Édipo na narrativa deO Ateneu explica-se pelo fato de Ema ser um duplo anagrama: de "mãe" e de "ame".
As descrições subjetivas de D. Ema derivadas do contato de Sérgio com a esposa de Aristarco indicam a interferência impressionista na narrativa de Pompéia, como se percebe no trecho extraído do capítulo X:
"Quando no dia do jantar subi para o dormitório com Egbert, dançava-me no espírito, reduzida a miniatura, a imagem de Ema (era agradável suprimir o D.), pequenina como uma abelha de ouro, vibrante e incerta. Sonhei: ela sentada na cama, eu no verniz do chão, de joelhos. Mostrava-me a mão, recortada de puro jaspe, unhas de rosa, como pétalas incrustadas. Eu fazia esforços para colher a mão e beijar; a mão fugia; chegava-se um pouco, escapava para mais alto; baixava de novo, fugia mais longe ainda, para o teto, para o céu, e eu a via inatingível na altura, clara, aberta como um astro." | ||
Os desafetos
À exceção de D. Ema, Egbert e, em parte, Bento Alves e o professor Cláudio, todos os demais personagens do romance possuem traços de extrema deformação. São descritos pelo narrador como criaturas grotescas. Deve-se, contudo, atentar para um ponto estilístico importante em Raul Pompéia: não se trata do grotesco puro, mas quase sempre construído pela duplicidade. Apesar de bela, Ângela é corresponsável por um crime. Ribas é dotado de uma voz divina, mas sua aparência é horrível. Aristarco mostra, em princípio, nobres preocupações pedagógicas, porém é mais que tudo um empresário ambicioso e frio. Aliás, o diretor do colégio é, entre todos, aquele que mais apresenta deformações. Arbitrário e vaidoso, hipócrita e financista, ele é o único responsável pelo terrorismo psicológico, e às vezes físico, divulgado como rigor pedagógico, que assola os alunos do Ateneu.
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A vingança
Se admitirmos a hipótese de vingança, segundo a qual Raul Pompéia escreveu o romance para vingar-se do passado (além de tentar entendê-lo), o fim da narrativa deve ser encarado como símbolo da destruição de um passado. No final do segundo ano de Sérgio no Ateneu, com poucos alunos no colégio – pois a maioria já havia saído em férias –, o narrador vê o internato arder em chamas até se tornar ruínas, ao mesmo tempo em que D. Ema se aproveita do episódio para abandonar o marido. Vingança contra o colégio interno, vingança contra o diretor.
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