sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Análise 37 - Lira dos Vinte Anos


Pessimismo, melancolia, tédio e morte são temas constantes nos poemas de Álvares de Azevedo. Sua obra marcou, junto com a de seu contemporâneo Casimiro de Abreu, uma nova fase no Romantismo brasileiro: aquela que cantou o amor irônico e sarcástico.

Álvares de Azevedo é um dos principais poetas da segunda fase do Romantismo brasileiro. É considerado o mais autêntico representante do "Mal do Século", característica dos escritores que falavam da melancolia, do pessimismo e do tédio em suas obras, sentimentos que a Medicina da época explicava ser fruto de uma bile negra produzida no baço. Os poemas de Lira dos Vinte Anos foram organizados em partes. Na Primeira, o autor fala da morte, uma perspectiva sempre presente, e do amor platônico, intangível. Na Segunda, o mesmo tema é abordado de forma diversa, agora sarcástica e ironicamente. Com o tempo, a obra foi ampliada e ganhou uma Terceira Parte. Para compreender cada uma delas é preciso, antes, conhecer as influências que o poeta teve de autores contemporâneos seus, como o francês Alfred de Musset e o inglês Lord Byron.

O lado satírico e satânico de Lord Byron foi fonte de inspiração para jovens poetas do Romantismo brasileiro.
O byronismo

George Gordon, nascido pobre em 1788, herdou, aos 16 anos, o título de Lord Byron e o castelo de Newstead. Chocou a sociedade aristocrática londrina com seus sucessivos e ruidosos casos amorosos, inclusive com sua meio-irmã Augusta. Viajou por toda a Europa em busca de emoções, envolveu-se amorosamente com homens e mulheres e morreu, aos 36 anos, de tuberculose. Em meio a essa maneira de viver – que na época se tornou o modelo do homem romântico que buscava a liberdade –, Byron escreveu uma obra grandiloquente e passional. Primeiro, encantou o mundo com seus poemas narrativos folhetinescos. Depois, chocou com seu lado satírico e satânico, apresentado em poemas como "Don Juan".


Anote!
O cinismo e o pessimismo contidos na obra de Byron inspiraram uma legião de jovens poetas brasileiros que promoviam orgias byronianas. Embora Álvares de Azevedo não tenha participado desses encontros, as marcas dessa época estão fortemente impressas em sua obra.


Alfred de Musset foi quem mais influenciou os primeiros poemas de Álvares de Azevedo, que posteriormente incorporou a ironia cortante de Byron à sua obra. Para Musset, Byron foi o melhor exemplo de homem e poeta que quebra todas as regras sociais e vive guiado apenas pela emoção. A versão do "byronismo" de Musset é, no entanto, mais adocicada e sentimental, faltando-lhe muito da ironia sarcástica de Byron.
 
A divisão de Lira dos Vinte Anos em partes corresponde a essa evolução de influências. Na Primeira Parte do livro, destaca-se o romantismo sonhador e sentimental. Na Segunda, o romantismo irônico autocrítico.

Reunião dos poemas

A primeira organização das poesias de Álvares de Azevedo foi feita em 1853 por Domingos Jacy Monteiro, seu amigo, e publicada no volume Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo. Com o título Poesias, o livro traz aquela que seria a primeira versão de Lira dos Vinte Anos, dividida em duas partes, mas sem os seus respectivos prefácios. Essa primeira versão incluiria apenas os poemas até "É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!". A partir da edição organizada por Joaquim Norberto de Sousa e Silva, em 1873, foi acrescida uma Terceira Parte ao livro. E assim, a cada edição, a obra foi sendo modificada. 


Anote!
A versão de Lira dos Vinte Anos que se tem como definitiva foi organizada em 1942 por Homero Pires. É composta de um prefácio geral à obra; uma dedicatória à mãe do poeta; a Primeira Parte com 33 poemas; um prefácio referente à Segunda Parte, que contém mais 19 poemas. A Terceira Parte da obra, acrescentada anos mais tarde, é considerada por críticos uma continuação da Primeira.


Nessa edição, feita pela Companhia Editora Nacional, que editou Obras Completas de Álvares de Azevedo, os poemas da Primeira Parte vão de "No Mar" a "Lembrança de Morrer". Os da Segunda vão de "Um Cadáver de Poeta" a "Minha Desgraça" – incluindo-se aqui, na contagem, os seis da série Spleen e Charutos. Na Terceira Parte, os poemas vão de "Meu Desejo" a "Página Rota", o que, nas palavras do próprio Homero Pires, "não é senão uma continuação da Primeira Parte". 

Primeira Parte
Abordam, de forma abstrata e séria, os temas da morte e do amor platônico por uma virgem pálida envolta em brumas, e seguem a linha adocicada e intangível da obra de Alphonse de Lamartine – um dos maiores poetas do Romantismo francês – ou de Alfred de Musset. Lamartine influenciou a obra de Álvares de Azevedo, que o considerava "monótono e belo como a noite, como a lua no mar e o som das ondas". O autor de Lira dos Vinte Anos abre sua obra com frases do poeta português pré-romântico Bocage e de Lamartine para chegar às poesias que "falam de seres imaginários e ideias abstratas vagando na noite enevoada". 


Para lembrar
Na Primeira Parte de Lira dos Vinte Anos, predomina a poesia mais sentimental, o devaneio. O autor dá ênfase ao medo de amar, ao desejo vago por virgens intangíveis, ao sentimento de culpa diante dos desejos carnais e ao fascínio pela morte.


As palavras de Bocage e de Lamartine escolhidas por Álvares de Azevedo para abrir sua obra dão uma ideia do que será o livro: a morte, Deus, o amor e a poesia inundam os poemas. No prefácio da Primeira Parte do livro, o autor explica como desenvolverá 
essa temática.

O poeta sonha com uma musa saudosa e tímida. Desse sonho, nasce um poema triste e sem vigor. Essas são as características básicas da poesia que Álvares de Azevedo se desculpa em apresentar ao público. 

Segunda Parte

Nela, o autor aborda o romantismo irônico e sarcástico. Sem abandonar os temas do amor e da morte, representados sempre sob o manto da noite sombria, passa agora a "falar com coisas". Lembrando as palavras do escritor João Cabral de Melo Neto, o autor de Lira dos Vinte Anos começa, aqui, a "poetizar os objetos que o rodeiam". Escreve sobre os charutos, sobre uma queda de cavalo, sobre o dinheiro – ou a falta dele –, enfim, sobre temas corriqueiros que não cabiam na poesia onírica e sentimental da Primeira Parte.

Nova direção

Para situar a passagem da Primeira Parte para a posterior, Álvares de Azevedo escreveu também um Prefácio para a Segunda Parte, explicando a mudança. Leia com atenção um trecho dessa explicação: 


"Cuidado, leitor, ao voltar esta página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei, e vivem Panúrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: – a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. [...] A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces."


Para lembrar
O Prefácio da Segunda Parte de Lira dos Vinte Anos apresenta claramente um programa poético, isto é, o poeta abandona a atitude sonhadora presente em seus primeiros poemas e faz uma poesia com temas próximos da realidade. A poesia "caiu do céu" e "o poeta acorda na terra".

Terceira Parte

É uma continuação da poesia sonhadora e sentimental da Primeira, mas nela encontramos um poema que foi considerado por Antonio Candido "um dos mais fascinantes e bem compostos de Álvares de Azevedo", o poema "Meu Sonho":


EU

Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? – que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA

Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...

O próprio Antonio Candido explica esse poema:


"À vista de certos traços de auto-erotismo na obra de Álvares de Azevedo, o fato da espada ser representada na mão do cavaleiro leva a pensar numa fantasia onírica de cunho masturbatório. [...] Esta leitura simbólica é confirmada por outros traços que completam o quadro, porque se ligam ao orgasmo, como 'olhos ardentes' (verso 4), 'gemidos nos lábios frementes' (verso 5), e quem sabe o fogo metafórico, talvez seminal, que arde no coração e dele transborda (verso 6)."


Sendo assim, os elementos macabros estariam compondo com estes, de maneira peculiar, o par romântico Amor e Morte.

Vida e obra

Um poeta entre livros e sonhos

Toda a obra de Álvares de Azevedo foi organizada e publicada após sua morte, ocorrida quando tinha apenas 21 anos. A reunião dos textos do poeta foi possível graças às suas anotações, feitas em cadernos. Seus poemas revelam uma visão pessimista da vida, influência de alguns grandes autores de sua época como o poeta francês Alfred de Musset e o inglês Lord Byron. Seu desaparecimento precoce da Literatura brasileira gerou divergências entre seus biógrafos. Uma delas, por exemplo, diz respeito ao local onde o poeta teria nascido. Outra, à causa de sua morte. Essa polêmica surgiu em função de seu comportamento quando estudante em São Paulo. Teria sido Álvares de Azevedo um libertino, um devasso ou um estudante recatado? Sabe-se que Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu no dia 12 de setembro de 1831 em São Paulo, onde seu pai ainda era quintanista da Faculdade de Direito. Há indícios de que ele nasceu na biblioteca da casa do avô, embora exista uma lenda de que o parto teria sido feito na biblioteca da própria faculdade. Formado, seu pai transferiu-se para o Rio de Janeiro. Aos 4 anos, Maneco, como era chamado o poeta, deparou-se pela primeira vez com a morte. O desaparecimento do irmãozinho, Manuel Inácio, deixa marcas profundas em Álvares de Azevedo. Alguns biógrafos atribuem ao trauma da morte do irmão uma febre que acompanhou o poeta entre os 5 e os 6 anos, e que quase o matou, deixando-o ainda debilitado pelo resto da vida. O poema "O Anjinho", de Lira dos Vinte Anos, traduziria, anos mais tarde, a dor que a morte do irmão lhe provocou:


"Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No frio da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!"


Ainda adoentado, iniciou-se nos estudos com pouco brilho. Com 9 anos, ingressou no Colégio Stoll e logo se destacou como o melhor dos alunos. Cursou o ginásio no Colégio Dom Pedro II, onde aprendeu alemão, grego e latim. Ainda nesse colégio, teve aulas de Filosofia com o poeta Gonçalves de Magalhães, introdutor do Romantismo no Brasil. Sempre com problemas de saúde, recebeu como menção honrosa, em 1847, o título de Bacharel em Letras, o equivalente ao diploma de segundo grau atualmente. Em 1848, ingressou na Academia de Ciências Jurídicas de São Paulo. A partir de sua transferência para a capital paulista até a sua morte, em férias, no Rio de Janeiro, a história mistura-se com a lenda e fica difícil distinguir o homem do mito. 

Nas suas cartas à família e aos amigos cariocas, assim como na peça Macário, Álvares de Azevedo deixa transparecer o tédio que sentia em morar na pequena "cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas" com "ladeiras íngremes e ruas péssimas", nas quais "era raro o minuto em que não se esbarrasse a gente com um burro ou com um padre". A capital paulista era, então, habitada por não mais de 15 mil pessoas, que viviam escandalizadas com as aventuras devassas de uma sociedade secreta de estudantes, fundada em 1845, conhecida como "Sociedade Epicureia". Seus membros, alunos da Academia, chamavam-se uns aos outros por nomes de personagens de Lord Byron e tinham como principal objetivo colocar em prática as "extravagantes fantasias" do poeta inglês. Realizavam orgias intermináveis e, diz a lenda, cerimônias macabras nos cemitérios paulistanos. Chegando a essa São Paulo, Álvares de Azevedo logo travou amizade com dois poetas estudantes, notórios boêmios: Aureliano Lessa e o futuro romancista Bernardo Guimarães. 

Uma alma sensível e mórbida

Introvertido, estudioso, Álvares de Azevedo leu com avidez e produziu vertiginosamente durante os quatro anos de faculdade. Escreveu os poemas reunidos nos livros Lira dos Vinte Anos e Poesias Diversas; os poemas longos O Poema do Frade e O Conde Lopo; o drama Macário; as narrativas de Noite na Taverna e O Livro de Fra Gondicário; quase uma centena de páginas de estudos literários; alguns discursos acadêmicos; e ainda incontáveis cartas pessoais enviadas ao Rio de Janeiro. 

Ficaria muito difícil, portanto, a um escritor tão incansável, de saúde sempre abalada, ter-se misturado com frequência às orgias sucessivas e aos excessos dos companheiros boêmios, menos dedicados à literatura e ao estudo. Vida louca? Certamente a dos que o cercavam. A de Álvares de Azevedo, parece aos estudiosos mais sérios, ter-se passado fundamentalmente entre os livros e os sonhos. Duas mortes marcaram profundamente o poeta nos seus últimos anos de vida. 

Em setembro de 1850, o quintanista Coelho Duarte comete suicídio. Em setembro de 1851, morre seu amigo João Batista da Silva Pereira Júnior. No discurso fúnebre do amigo, Álvares de Azevedo diria: "Cada ano uma vítima se perde nas ondas, e a sorte escolhe sorrindo os melhores dentre nós". No seu quarto de pensão, compõe um poema dedicado ao amigo e escreve na parede: 1850 – Feliciano Coelho Duarte; 1851 – João Batista da Silva Pereira; 1852 – ... Entre os anos letivos de 1851 e 1852, passou as férias com a família. Sofreu uma queda quando andava a cavalo pelas ruas do Rio de Janeiro, exercício praticado a conselho médico, para amenizar os sintomas da tuberculose que o afligia. Após uma operação para a remoção de um tumor na fossa ilíaca, e depois de 46 dias de agonia, morreu para tornar-se uma lenda. 

Teria tido, segundo alguns estudiosos do autor, uma vida casta e serena e, segundo outros, uma vida boêmia e tumultuada. No seu enterro, discursou seu parente Joaquim Manuel de Macedo, médico, professor e já um dos mais importantes e populares romancistas do Brasil, autor de A Moreninha (1844). Entre outros elogios feitos, Macedo disse que "Deus tinha acendido na alma do mancebo aquele fogo sagrado da poesia, que eleva o homem acima da terra e faz correr de seus lábios, em cânticos sonoros, a linguagem do inspirado". Em 27 de abril, o Correio Mercantil, jornal onde então trabalhava Manuel Antônio de Almeida, publicou, na primeira página, uma nota na qual se lia: "Nesse jovem perdeu o Brasil um de seus esperançosos filhos, um coração patriótico e dedicado, um poeta cujos voos deviam elevar-se a grandes alturas, um advogado que prometia em breve conhecer todos os arcanos das ciências jurídicas pois que ainda no fervor dos anos já lhe eram igualmente familiares os poetas e literatos da Itália, da Alemanha, da França e da Inglaterra, assim como os escritos dos mais abalizados jurisconsultores e publicistas". 

Quase um mês depois de sua morte, em 22 de maio, a sociedade acadêmica à qual Álvares de Azevedo pertencia – o Ensaio Filosófico Paulistano – realizou em São Paulo uma sessão fúnebre em sua homenagem, presidida por Amaral Gurgel. Nos vários discursos e poemas apresentados, "gênio" foi a palavra mais usada para definir o poeta. Ao morrer, Manuel Antônio Álvares de Azevedo havia publicado apenas alguns poemas e discursos em revistas acadêmicas de circulação restrita aos estudantes de Direito de São Paulo. Já era, no entanto, considerado, por aqueles que o conheciam, um grande poeta e intelectual. Sua morte, segundo José Veríssimo, privou a todos "daquele que seria talvez o máximo poeta brasileiro". Seria... Talvez... O certo é que sua morte precoce criou, como sempre, um mito. O mito do gênio doente e mórbido, que previra a própria morte em "Se Eu Morresse Amanhã".


"Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Deus, amor e poesia são as três únicas palavras que eu gostaria de gravar sobre a minha lápide, se eu merecer uma lápide".


De sua obra em prosa, destacam-se os contos de Noite na Taverna, publicados no ano de 1855. Os contos, seguindo o estilo do autor, são inteiramente ambientados em cenários escuros e tétricos. Os personagens descritos por Álvares de Azevedo são ainda indivíduos marginalizados


Fonte:
 http://vestibular.uol.com.br

2 comentários:

  1. A melhor análise de Lira dos Vinte Anos que encontrei.

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  2. Caramba!! Eu não acredito, minha professora passou pra gente fazer uma análise literária e este site foi bem útil pra mim... Sem comparação, melhor até do que o Wikipedia.

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