sábado, 15 de dezembro de 2012

Análise 36 - Iracema


Um dos mais belos romances da nossa Literatura romântica, Iracema, de José de Alencar, conta a trágica história da bela índia tabajara apaixonada pelo guerreiro branco. Considerado por muitos 'um poema em prosa', tem o ritmo e a força de imagens próprios da poesia.

Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é um anagrama da palavra "América". O nome de seu amado Martim remete a Marte, o deus romano da Guerra e da Destruição. Já a partir do título, o autor demonstra um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam representar melhor "a singeleza primitiva da língua bárbara", com "termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem". O livro foi publicado em 1865 e, em pouco tempo, agradou aos leitores e aos críticos literários, a começar pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro em 1866: 

"Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência... Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro... Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima."

A lenda e a história

Iracema, subintitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel, e Martim, o primeiro colonizador português do Ceará. Além disso, como resume Machado de Assis, o assunto do livro é também a história da fundação do Ceará e do ódio de duas nações inimigas – tabajaras e pitiguaras. Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos portugueses. Os tabajaras viviam no interior e eram aliados dos franceses.

Iracema, quadro de José Maria de Medeiros


Para lembrar
José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras, e utilizou personagens reais, como Martim Soares Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprios da poesia romântica.

A heroína idealizada

Filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, Iracema deve manter-se virgem porque "guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã". Um dia, Iracema encontra na floresta Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado. O momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu grau mais elevado:


"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. [...]

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

O narrador, seguidas vezes, compara Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos; seu sorriso, mais doce; seu hálito, mais perfumado; seus pés, mais rápidos. 


Anote!
Iracema é descrita por um narrador que, embora se apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que uma mulher. A heroína é o próprio espírito harmonioso da floresta virgem.

A harmonia rompida

O narrador deixa clara a ruptura nessa harmoniosa relação de Iracema com o seu meio ao apresentar o surgimento de Martim:"Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta". A vista de Iracema fica perturbada e a impossibilita de compreender essa estranha aparição de uma etnia que lhe é desconhecida.
Chácara onde José de Alencar escreveu seus romances, em tela de sua filha Clarice de Alencar Magalhães Castro.

Para lembrar
José de Alencar retrata o processo de estranhamento e fascínio mútuo que dominou o encontro dos dois povos. Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as trágicas consequências que dele adviriam para os indígenas.

A sedução

Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro branco às terras pitiguaras, Iracema apaixona-se por Martim, mas não pode entregar-se a ele, pois, como afirma o Pajé, "se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá...". Uma noite, Martim pede a Iracema o vinho de Tupã, já que não consegue resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema "torna-se sua esposa". É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao "possuir" Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto provocará a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses provocará a destruição da floresta virgem.


Anote!
Assim como Martim não tinha qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – fazendo-o por paixão –, os destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconsequente. A consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza o seu processo de destruição.

O conflito

Martim é ameaçado pelo chefe guerreiro Irapuã que, enciumado, quer invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é protegida por Caubi. Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema serve-lhes o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo. Mas os tabajaras descobrem que Iracema traíra "o segredo da jurema" e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras, juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado de Martim contra a sua tribo. Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.

O exílio

Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum tempo, todos são muito felizes e a alegria completa-se com a gravidez de Iracema. Porém, Martim acaba por "saturar-se de felicidade" e seu interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema ressente-se da frieza do marido e sofre. Martim ausenta-se com frequência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que a índia chama Moacir, que significa "nascido do meu sofrimento, da minha dor". 


Para lembrar
Iracema dá ao filho o nome indígena correspondente ao nome hebraico Benoni, que também significa "filho de minha dor". Este é o nome dado por Raquel, mulher do patriarca bíblico Jacó, ao seu último filho. Raquel morre depois de dar à luz. Mas Jacó muda o nome do menino para Benjamim. 
Os filhos de Jacó dão origem às tribos que formarão a nação Israel, assim como o filho de Iracema representa o início de uma nação.

Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe dela durante oito luas (oito meses) e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: "Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos". O lugar onde viveram e o rio em que nasceu o coqueiro viriam a ser chamados, um dia, pelo nome de Ceará.


Anote!
Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: "O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?". 

O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote "para plantar a cruz na terra selvagem". Começa a colonização e a narrativa termina: "Tudo passa sobre a terra". 

O narrador

O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter neutro e ser um mero observador. Multiplicam-se os adjetivos reveladores de admiração, principalmente em referência à natureza brasileira (Iracema). Em alguns momentos, o narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: "O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu".


Anote!
Tais arroubos do narrador justificam-se pela afirmação, no início da obra, de que essa é "Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci". Assim, Alencar justifica a intromissão da voz na primeira pessoa em uma obra narrada na terceira.

O indianismo

O índio começou a ser adotado como tema literário no Brasil pelos árcades, principalmente Basílio da Gama – que via o índio como "homem natural" – e Santa Rita Durão – para quem o índio era apenas o "comedor de carne humana, que só o Cristianismo salvaria". 
A busca de uma "poesia americana"

Já no Romantismo, o culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos escritores cultivarem a chamada "poesia americana". Esta valia-se da natureza, da História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula a que o indianismo se encaixava perfeitamente.


Para lembrar
Os escritores mais expressivos do indianismo nesse período foram: na poesia, Gonçalves Dias com poemas como "I-Juca Pirama", "Marabá" e "Leito de Folhas Verdes"; e na prosa, José de Alencar com romances como O Guarani, Iracema e Ubirajara

A corrente indianista foi muito prestigiada e vários poetas tentaram escrever o "poema americano" por excelência como Gonçalves de Magalhães com o seu poema longo "A Confederação dos Tamoios", que originou uma célebre polêmica, de que até o imperador participou. 

A polêmica

Alencar foi o protagonista, em 1856, dessa polêmica acalorada sobre o papel do índio na Literatura brasileira. O introdutor do Romantismo entre nós, o poeta Gonçalves de Magalhães, acabara de publicar um poema épico com temática indianista. Amigo do imperador Dom Pedro II, Magalhães era, de certa forma, o "poeta oficial" do Brasil naquele momento.


Anote!
Em uma série de cartas assinadas com o pseudônimo de Ig., Alencar critica o artificialismo com que Gonçalves de Magalhães trata o tema do índio. Segundo Alencar, Magalhães "não está à altura do assunto".

A Lenda de Moema, de Victor Meireles de Lima.

Saem em defesa do poeta, vários amigos seus, entre eles, o próprio imperador Dom Pedro II. A polêmica desdobra-se do início de junho ao final de outubro de 1856. Podemos perceber que, em alguns pontos das cartas, Alencar já pensava em abordar a temática indigenista nos seus futuros escritos, associando-a ao elogio da terra brasileira: 


"Digo-o por mim: se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e suas belezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas ideias de homem civilizado. Filho da natureza, embrenhar-me-ia por essas matas seculares; contemplaria as maravilhas de Deus, veria o sol erguer-se no seu mar de ouro, a lua deslizar-se no azul do céu; ouviria o murmúrio das ondas e o eco profundo e solene das florestas."

Mas não foi por meio da poesia que Alencar cantou as belezas de sua terra. Ainda na polêmica sobre "A Confederação dos Tamoios", ele critica o uso de gêneros poéticos clássicos para descrever o índio brasileiro:


"Escreveríamos um poema, mas não um poema épico; um verdadeiro poema nacional, onde tudo fosse novo, desde o pensamento até a forma, desde a imagem até o verso. A forma com que Homero cantou os gregos não serve para cantar os índios; o verso que disse as desgraças de Troia e os combates mitológicos não pode exprimir as tristes endeixas do Guanabara e as tradições selvagens da América. Por ventura não haverá no caos incriado do pensamento humano uma nova forma de poesia, um novo metro de verso?

Anote!
Alencar adota o gênero do romance, mas o faz com um cuidado na construção das imagens e com uma musicalidade na linguagem que levaram críticos como Machado de Assis a considerá-lo mais um "poema em prosa" do que propriamente um romance. E levaram Haroldo de Campos a afirmar que "O maior poeta indianista (o único plenamente legível hoje...) foi um prosador: José de Alencar".

Desdobramentos

No Parnasianismo, o índio aparece raramente – um exemplo é o poema "A Morte de Tapir", de Olavo Bilac – e simplesmente desaparece na poesia simbolista. O Modernismo volta ao tema e o utiliza às vezes como ponto de referência para diretrizes estéticas, como no caso da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade, com a questão "tupi or not tupi". Algumas obras aproveitaram o tema do índio e suas lendas, como Macunaíma, de Mário de Andrade, Cobra Norato, de Raul Bopp, ou Martim Cererê, de Cassiano Ricardo. 

Iracema e Macunaíma

O crítico Cavalcanti Proença demonstrou no Roteiro de Macunaíma diversas relações entre Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, e o romance Iracema, de Alencar. Entre essas, destacam-se as semelhanças entre as personagens de Iracema e de Ci, a 
mãe do mato:


"Ci aromava tanto que Macunaíma tinha tonteiras de moleza." (M.A.) / "Todas as noites a esposa perfumava seu corpo e a alva rede, para que o amor do guerreiro se deleitasse nela." (J.A.) / "É a rede de cabelos que torna a Mãe do Mato inesquecível, e é uma rede que Iracema oferece ao guerreiro branco: "Guerreiro que levas o sono de meus olhos, leva a minha rede também. Quando nela dormires, falem em tua alma os sonhos de Iracema." (J.A.).

Ambas não têm leite. O de Ci foi a cobra preta que sugou; em Iracema o leite não chegava ao seio, diluído nas lágrimas de saudade. "A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito" (J.A.). Em Macunaíma, o filho do herói "chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais, deu um suspiro envenenado e morreu". 

Iracema voando hoje

A permanência de Iracema no universo cultural brasileiro é incontestável. Uma das manifestações artísticas que perpetuam a imagem da virgem dos lábios de mel, mesmo que nem sempre tão virgem ou idealizada, é a música popular brasileira contemporânea. Vejamos dois exemplos de compositores populares que recorrem à imagem alencariana para compor suas canções:

Iracema voou Chico Buarque/1998
Iracema Voou Para a América
Leva roupa de lã
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá
Tem saído ao luar
Com um mímico
Ambiciona estudar
Canto lírico Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
Mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar:
– É Iracema da América

Nessa canção, Chico Buarque de Holanda atualiza a lenda do Ceará, apresentando Iracema como uma emigrante que vai para a América (lembrando o anagrama de Alencar), seguindo assim a sina do primeiro cearense, Moacir. Já Eduardo Dusek e Luiz Carlos Góes, na canção abaixo, desmontam a figura idealizada de Alencar, transportando a índia para o mundo atual, em que prevalecem a corrupção e a marginalidade nada românticas.


A índia e o traficante
Eduardo Dusek/Luiz Carlos Góes/1986

Noite malandra, um luar de espelho,
No meio da terra a índia colhe o brilho,
Som de suor, cheirada musical,
Palmeira que se verga em meio ao vendaval.
Sentia macia floresta,
Bolívia, montanha, seresta...

Índia guajira já colheu sua noite
Volta para a tribo meio injuriada,
Uma figueira numa encruzilhada
Felina, um olho de paixão danada,
Era Leão, famoso traficante,
Um outdoor, bandido elegante,
Que a levou para um apart-hotel
Que tem em Cuiabá.

Índia, na estrada, largou a tribo
Comprou um vestido, aprendeu a atirar,
Índia virada, alucinada pelo cara-pálida do Pantanal,
Índia guajira e o traficante
Loucos de amor, trocavam o seu mel,
Era um amor tipo 45,
E tiroteios rasgando o vestido,
Em quartos de motel.

Explode o amor, adiós para o pudor,
Guajira e o traficante passam a escancarar,
Rolam papéis, nos bares, nos bordéis,
Os dois de Bonnie and Clyde, assunto dos cordéis,
Maíra, pivete, amazônia,
Esqueceu Tupã, a sem-vergonha...
Dentro de um Cessna, bebendo champagne
Leão e seu bando a fazem sua chefona,
Índia fichada, retrata falada,
A loto esperada pelos federais,
Mas ela gosta de fotografia
E vira capa dos jornais do dia,
Enquanto espera uma tonelada da pura alegria.

Índia, sujeira, foi dedurada
Por um sertanista que era amigo seu,
Índia traída – "mim tô passada" –
Ela lamentava num mal português,
A Índia deu um ganho, num Landau negro,
Chapa oficial, que era da Funai,
Passou batido pela fronteira,
Uma rajada de metralhadora...
Morta no Paraguai! 

Vida e obra

Um apaixonado pela alma brasileira

José de Alencar dizia que seus muitos romances encaixavam-se em um projeto de descrição global do Brasil.

José Martiniano de Alencar nasceu em 1829, apenas sete anos depois da Independência do Brasil, em Mecejana, Ceará. Filho de um ex-padre, que se tornou presidente da Província do Ceará e senador do Império, o jovem Alencar transfere-se com a família, aos 9 anos, para a cidade do Rio de Janeiro. Em 1844, aos 15 anos, matricula-se nos cursos preparatórios para a Faculdade de Direito de São Paulo. Lê, então, o recém-publicado romance A Moreninha, cujo sucesso muito haveria de influenciá-lo na decisão posterior de se tornar romancista. Em São Paulo, Alencar cursa os primeiros anos da Faculdade de Direito e começa a publicar seus primeiros textos em algumas revistas estudantis. Transfere-se em 1848 para a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. Em Olinda, na velha biblioteca do Mosteiro de São Bento, encontra a literatura dos antigos cronistas coloniais como Gabriel Soares de Sousa e Pero Magalhães Gandavo. Anos mais tarde, Alencar ainda se recordaria da emoção que foi a descoberta desses autores do século XVI, que nos dão as primeiras impressões dos europeus ao encontrarem a natureza e o índio do Brasil, em cujas páginas já procurava um tema para desenvolver em sua própria literatura: "Uma coisa vaga e indecisa, que devia parecer-se com o primeiro broto de O Guarani ou de Iracema, flutuava-me na fantasia. Devorando as páginas dos alfarrábios de notícias coloniais, buscava com sofreguidão um tema para o meu romance; ou pelo menos um protagonista, uma cena e uma época". 

Precursor da crônica moderna

O Último Tamoio, óleo sobre tela de Rodolfo Amoedo, 1883.
Após contrair tuberculose, Alencar volta a São Paulo. Forma-se em Direito no final de 1850. No ano seguinte, retorna à capital do país e lá começa a advogar. Não esquece, porém, da literatura. Em 1854, começa a escrever uma seção diária no Correio Mercantil, intitulada "Ao Correr da Pena", em que comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves de temática cotidiana podem ser considerados os precursores da crônica moderna, em que se destacariam, no século seguinte, escritores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. Em 1855, Alencar é um dos fundadores do jornal Diário do Rio de Janeiro, do qual se torna editor-chefe. Nesse jornal, publica os textos que logo o tornariam conhecido em todo o país. No final de 1856, decide publicar um folhetim como "brinde" aos leitores do Diário. Inicia, assim, sua carreira de romancista. Publica o curto romance Cinco Minutos, que é recebido por seus leitores com grande simpatia. Estimulado pelo sucesso do primeiro, começa a publicar o segundo, A Viuvinha, cuja publicação interrompe quando, por engano, um companheiro seu publica o final da história na Revista de Domingo. Inicia, então, a publicação de O Guarani. Surge, assim, na Literatura nacional, uma nova "estrela colorida brilhante" – lembrando as palavras de Caetano Veloso na canção "Um Índio". Uma estrela que há de escrever, "numa velocidade estonteante", os capítulos do romance do qual descerá um índio "mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias" – o apaixonado Peri. 

Uma produção novelística intensa

Entre 1857 e 1870, Alencar publica diversos romances, entre eles Lucíola (1862) eIracema (1865), e é eleito várias vezes deputado. Torna-se ministro da Justiça entre 1868 e 1870 e dedica-se também ao teatro, escrevendo O Demônio Familiar (1857), As Asas de um Anjo (1858) e A Mãe (1860), entre outras peças. Em 1870, abandona a política, ressentido, após ter sido preterido para a vaga de senador. Inicia, então, uma fase de recolhimento: poucos amigos e nenhum sorriso. Sua produção novelística é intensificada, agora norteada pelo projeto de descrição do Brasil, anunciado no prefácio do livro Sonhos d'Ouro (1872). Em 1875, publica Senhora, um de seus romances mais complexos. Ao morrer, em 1877, Alencar era considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Principalmente por Machado de Assis, seu amigo e mais fiel admirador, e que logo o destronaria. Para Machado, "nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira". O próprio Alencar afirmava que seus romances se encaixavam em um projeto de descrição global do Brasil. Dividiu-os em quatro tipos: 

• Romance urbano, como Lucíola e Senhora;
• Romance regionalista, como O Gaúcho e O Sertanejo;
• Romance indianista, como Iracema e Ubirajara;
• Romance histórico, como A Guerra dos Mascates e As Minas de Prata.

A classificação atribuída por José de Alencar à sua obra seria postumamente revista pela crítica, que considerou O Guarani e Iracema obras históricas e ao mesmo tempo indianistas.


Fonte: http://vestibular.uol.com.br


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